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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 46 - 69, out. - dez. 2013
4.
Com base nestas duas perspectivas gostaria de narrar algumas
experiências da trincheira, algumas histórias que acompanhei de perto,
atuando como advogado
pro bono
em Porto Alegre, tanto na defesa de
pessoas sem qualquer envolvimento com os movimentos antiproibicio-
nistas e que procuravam apenas minimizar os problemas derivados da
criminalização, quanto na atuação política junto aos coletivos militantes
contrários à criminalização. Em ambos os casos, porém, a diretriz que
orientou o trabalho foi a de produzir
defesas de ruptura
– expressão uti-
lizada pelo advogado francês Jacques Vergès para descrever o seu estilo
de atuação, nas décadas de 50 e 60, na defesa dos militantes da Frente
de Libertação Nacional pela independência da Argélia –, ou seja, atuar de
forma a expor incisivamente os danos do proibicionismo e o papel de le-
gitimação e de manutenção que as agências penais exercem em relação à
política de guerra às drogas, sem postular qualquer piedade ou clemência
do Poder Judiciário.
4.1.
O
primeiro caso
em que me senti profundamente envolvido e
que possibilitou uma percepção clara da perversidade da política proibi-
cionista foi o de Marco Antônio.
Marco Antônio, um jovem de classe média de Porto Alegre, foi
preso em flagrante em 14 de janeiro de 2003, ainda sob o regime da Lei
6.368/76, pela posse de 6,30 gramas de
cannabis sativa
e R$ 8,05. Con-
forme narrou o Ministério Público na denúncia, Marco Antônio foi detido
no parque da Redenção, em um domingo, por volta das 21 horas, ocasião
em que teria
oferecido
droga a um casal que se encontrava no local. Se-
gundo os depoimentos do casal e do denunciado, Marco Antônio estava
sozinho, fumando maconha, quando foi abordado pela garota que teria
pedido para consumir conjuntamente a droga. Sem hesitação, alcançou
para a jovem, momento em que foi preso, pois o casal era formado por
agentes da Polícia Civil.
A denúncia foi oferecida e recebida pela infração ao art. 12 da Lei
6.368/76 – “
fornecer, ainda que gratuitamente, droga.
” O flagrante foi
convertido em prisão preventiva que perdurou durante toda a instrução
processual e a fase de recurso. Marco Antônio foi condenado a pena de 4
anos de reclusão, em regime integralmente fechado. Na sentença, o julga-
dor registrou a impossibilidade de o réu apelar em liberdade em razão da
equiparação do delito de tráfico aos de natureza hedionda.