49
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 46 - 69, out. - dez. 2013
consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substân-
cia apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às
circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes
do agente.
”
Embora o dispositivo seja destinado ao juiz, sabe-se que a primeira
agência de controle que é habilitada ao exercício criminalizador é a poli-
cial. As guias normativas definem, pois, os critérios de interpretação dos
agentes policiais e, posteriormente, judiciais. Logicamente, conforme a
estrutura da persecução criminal brasileira, o primeiro filtro sempre será
o policial, que irá identificar se o sujeito, p. ex., que “traz consigo” droga,
realiza a conduta incriminada com intuito (elemento subjetivo especial do
tipo) de consumo pessoal (art. 28) ou se “porta” com qualquer outro ob-
jetivo, que não implica necessariamente uma finalidade mercantil, típica
do que se conhece como tráfico de entorpecentes (art. 33).
Não é necessária uma consistente base criminológica em perspec-
tiva crítica para perceber que o dispositivo legal, em vez de definir preci-
samente critérios de imputação, prolifera metarregras que se fundam em
determinadas imagens e representações sociais de quem são, onde vivem
e onde circulam os
traficantes
e os
consumidores
. Os estereótipos do “ele-
mento suspeito”
ou da “atitude suspeita”, p. ex., traduzem importantes
mecanismos de interpretação que, no cotidiano do exercício do poder de
polícia, criminalizam um grupo social vulnerável muito bem representado
no sistema carcerário: jovens pobres, em sua maioria negros, que vivem
nas periferias dos grandes centros urbanos (neste sentido, Batista, 2003;
Carvalho, 2013; Weigert, 2009; Mayora, 2011; Mayora, Garcia, Weigert &
Carvalho, 2012).
2.3.
O segundo
vazio de legalidade
que identifiquei naquele mo-
mento foi o relativo à conduta de “
entregar a consumo ou fornecer drogas
ainda que gratuitamente
”, prevista no art. 33,
caput
, da Lei 11.343/06.
Apesar de o § 3º do art. 33 prever pena de 6 meses a 1 ano às situações
de “consumo compartilhado” – “
oferecer droga, eventualmente e sem
objetivo de lucro, a pessoa do seu relacionamento, para juntos a consu-
mirem
” –, a hipótese narrada no
caput
introduz, como figura paritária ao
tráfico (internacional e doméstico), uma conduta sem qualquer intuito de
comércio. Assim, se a entrega a consumo ou se o fornecimento da droga
for destinado a uma pessoa que não seja do relacionamento do autor do