R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 46 - 69, out. - dez. 2013
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A observação inicial é a de que cinco
condutas objetivas
(i.e., em-
piricamente observáveis) idênticas (adquirir, guardar, ter em depósito,
transportar e trazer consigo) impõem consequências jurídicas radical-
mente diversas: o enquadramento no art. 28 da Lei de Drogas submete
o infrator às penas restritivas de direito (admoestação verbal, prestação
de serviços e medida educativa); a imputação do art. 33 da Lei 11.343/06
impõe regime carcerário com pena privativa de liberdade variável entre 5
(cinco) e 15 (quinze) anos.
É possível afirmar, inclusive, que estas duas figuras normativas
– traduzidas pelo senso comum como
porte
e
tráfico
de drogas – esta-
belecem as consequências jurídicas mais e menos severas previstas no
ordenamento penal brasileiro. A nova Lei de Drogas vedou qualquer pos-
sibilidade de prisão (provisória ou definitiva) ao sujeito processado por
porte de drogas para consumo
. Aliás, a proibição da detenção, disciplina-
da no art. 48, §§ 1
o
, 2
o
e 3
o
, é uma regra inédita no ordenamento nacional,
aplicável exclusivamente ao
consumidor de drogas
. A vedação de qual-
quer forma de regime carcerário e a previsão autônoma de pena restritiva
de direito no preceito secundário do tipo penal permitem concluir que a
incriminação do porte para consumo pessoal configura o tratamento jurí-
dico mais brando previsto em toda a legislação penal brasileira.
Por outro lado, aos casos de comércio de drogas, o legislador esta-
beleceu o regime penal mais rigoroso possível, não apenas pela quantida-
de de pena aplicável – note-se, p. ex., que a pena prevista para o tráfico
varia entre 5 e 15 anos de reclusão enquanto a pena cominada ao estupro
é modulada entre 6 e 10 anos de reclusão (art. 213,
caput
, do Código
Penal) e a do homicídio simples entre 6 e 20 anos de reclusão (art. 121,
caput
, do Código Penal) –, mas, sobretudo, pela sua equiparação consti-
tucional aos crimes hediondos. Como se sabe, o
status
“hediondo” impõe
um regime jurídico diferenciado no processo de instrução (prisão preven-
tiva, fiança) e no de execução penal (regime inicial de cumprimento de
pena, progressão de regime, livramento condicional, indulto).
2.2.
O primeiro
vazio de legalidade
que procurei demonstrar foi o
estabelecido pelo dispositivo que pretende criar parâmetros para iden-
tificar quais as condutas (adquirir, guardar, ter em depósito, transportar
ou trazer consigo) que se destinam ao
consumo pessoal
. Segundo o art.
28, § 2º da Lei de Drogas, “
para determinar se a droga destinava-se a