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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 46 - 69, out. - dez. 2013
Inserido neste contexto, no final de dezembro de 2012, fui con-
vidado pelo Conselho de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS) para
participar de uma mesa de debate intitulada
“Legalização das Drogas”
,
uma das atividades do seminário “
Entre Garantia de Direito e Práticas
Libertárias
”, promovido pelas Comissões de Políticas Pública e de Direi-
tos Humanos.
2.
A ideia central da minha fala foi a de expor os
efeitos diretos da
política criminal de drogas brasileira
, visualizados nos índices superlativos
de encarceramento. A hipótese do discurso partiu de uma constatação
normativa (plano do direito penal) e do seu imediato efeito empírico (pla-
no da criminologia):
a existência de vazios e dobras de legalidade legitima
o aprisionamento massivo da juventude vulnerável
.
Identifiquei como
vazios
(ou
lacunas
, na linguagem da teoria ge-
ral do direito)
e dobras de legalidade
as estruturas incriminadoras da Lei
11.343/06 que permitem um amplo poder criminalizador às agências da
persecução criminal, notadamente a agência policial. Estruturas normati-
vas abertas, contraditórias ou complexas que criam zonas dúbias que são
instantaneamente ocupadas pela lógica punitivista e encarceradora.
2.1.
A
dobra de legalidade
estaria associada a um
excesso norma-
tivo
: a previsão (ou proliferação) de condutas idênticas nos dois tipos pe-
nais que estruturam e edificam a política criminal de drogas – proibição
das condutas facilitadoras do consumo (art. 28,
caput
, da Lei 11.343/06)
e incriminação do comércio (art. 33,
caput
, da Lei 11.343/06). No quadro,
em destaque e numeradas, as condutas típicas compartilhadas por ambos
os tipos penais.
“
Quem
[1] adquirir
,
[2] guardar
,
[3] tiver
em depósito
,
[4] transportar
ou
[5] trouxer
consigo
, para consumo pessoal, drogas sem
autorização ou em desacordo com determi-
nação legal ou regulamentar será submetido
às seguintes penas: I – advertência sobre os
efeitos das drogas; II – prestação de servi-
ços à comunidade; III – medida educativa de
comparecimento a programa ou curso edu-
cativo
.” (art. 28,
caput
, da Lei 11.343/06)
“
Importar, exportar, remeter, preparar, pro-
duzir, fabricar,
[1] adquirir
, vender, expor
à venda, oferecer,
[3] ter em depósito
,
[4]
transportar
,
[5] trazer consigo
,
[2] guardar
,
prescrever, ministrar,
entregar a consumo ou
fornecer drogas, ainda que gratuitamen-
te
, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar: pena
– reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e
pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil
e quinhentos) dias-multa.”
(art. 33,
caput
, da
Lei 11.343/06)