Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 63

61
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 46 - 69, out. - dez. 2013
experiências vivas da inversão do sentido da realidade gerada pelo proi-
bicionismo. Dificilmente um leigo atribuiria àquelas condutas o rótulo de
tráfico de entorpecentes
”. No entanto a normatividade produzida pela
política de
war on drugs
torna esta espécie de atribuição de responsabili-
dade absolutamente natural.
No mesmo sentido, é igualmente desproporcional, situação que,
inclusive, beira à insanidade, constatar (
segundo
) que um agente do Esta-
do, membro do Ministério Público, criminalize como tráfico a conduta de
uma pessoa que faz comprovado uso terapêutico de
cannabis
e, no mes-
mo ato, considere “normal” o evidente abuso de autoridade empregado
na ação policial que apreendeu a droga. A distorção de valores perceptível
na denúncia contra Alexandre Thomaz é um retrato bastante evidente dos
efeitos do proibicionismo no campo da administração da justiça criminal:
legitimação da violência (policial), criminalização do usuário, encarcera-
mento massivo.
Ademais, como foi possível ver no processo movido contra Pedro
e Leonardo e nos inúmeros casos de repressão à Marcha da Maconha –
mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal –, (
terceiro
) a política
criminal de drogas na atualidade irradia efeitos, operando na criminaliza-
ção dos movimentos sociais antiproibicionistas.
É neste cenário de plena vigência de uma
política criminal com der-
ramamento de sangue
, na precisa expressão de Nilo Batista (1998), que
emergem ações antiproibicionistas, individuais e coletivas, de resistência,
com o objetivo exclusivo de conquistar a paz, o que significa, em última
instância, o fim da guerra às drogas e a implementação de políticas públi-
cas inteligentes para a prevenção dos danos provocados pelo abuso e pela
dependência. Experiências, aliás, que vêm acontecendo de forma bastan-
te satisfatória em inúmeros países ocidentais.
Do contrário, a manutenção deste paradigma bélico de política cri-
minal seguirá produzindo histórias similares às de Marco Antônio, Pedro,
Leonardo e Alexandre. Ocorre que, infelizmente, os casos relatados não
são
narrativas
épicas e românticas, mas
histórias de vidas
atravessadas
por uma política criminal genocida e que é legitimada, dia a dia, pelos
atores do sistema penal.
1...,53,54,55,56,57,58,59,60,61,62 64,65,66,67,68,69,70,71,72,73,...129
Powered by FlippingBook