Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 38

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 27 - 37, out. - dez. 2013
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os cidadãos têm, em linha de princípio, o direito de manter o poder de
disposição sobre os seus próprios bens, precisando do Estado apenas em
situações em que não sejam capazes de proteger esses bens com suas
próprias forças, respeitados os direitos dos demais.
O Direito Penal das drogas viola também o
princípio da dignidade
da pessoa humana
, na medida em que desrespeita a autonomia que é
inerente ao indivíduo. Afronta, também com intensidade, aquilo que se
convencionou chamar de
proporcionalidade abstrata
, porque esse Direi-
to Penal não se revela um instrumento útil, um meio idôneo e nem mes-
mo necessário para se tratar da questão das drogas etiquetadas de ilícitas.
Antes da proibição, outras soluções se mostram muito mais racio-
nais e úteis, como por exemplo, aquelas que procuram desmistificar a
questão das drogas, conviver com elas, torná-las suportáveis ou reduzir
os danos que o uso abusivo de qualquer droga produz. O exemplo da ni-
cotina me parece suficiente. Sem que exista proibição, com informação, o
consumo diminuiu sensivelmente entre os jovens.
Ademais, hoje, as pesquisas sérias sobre a eficácia da pena (por
todos, Albrecht
11
) sepultaram, ou deveriam ter sepultado, a crença em
qualquer função útil do Direito Penal no trato das drogas ilícitas. Hoje, soa
ingênua a crença na função de prevenção (geral, específica ou especial)
que se atribui ao Direito Penal. Dito de outra forma: o direito penal não
serve para prevenir condutas ilícitas ou condutas reprováveis; o direito
penal se mostra incapaz de evitar o consumo de drogas.
Hassemer
12
chega a constatar, ao tratar da questão das drogas, que
toda proibição de uma constante antropológica, como é o desejo pelas
drogas, produz uma pressão contínua no sentido de contornar essa pres-
são. “Lacanianamente” poder-se-ia dizer que a “falta”, a proibição, gera o
desejo, em lugar de impedir o consumo. Ou seja, a política proibicionista,
antes de evitar o consumo das drogas, gera o desejo pelo consumo das
drogas, além de aumentar o lucro dos comerciantes ilegais e propiciar
a corrupção de agentes estatais. Mais uma vez, vale citar o exemplo de
Portugal. Ao legalizar o uso da droga, em linhas gerais, com algumas pe-
quenas exceções, o consumo dessas substâncias decaiu.
Também o princípio da dignidade da pessoa humana impede que o
11 ALBRECHT, Peter-Alexis.
Criminologia: uma fundamentação para o direto penal.
Trad. Juarez Cirino dos Santos e
Helena Cardoso. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
12 Ob. Cit.
1...,28,29,30,31,32,33,34,35,36,37 39,40,41,42,43,44,45,46,47,48,...129
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