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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 27 - 37, out. - dez. 2013
dade” transporta para o ambiente penal a questão do outro (Nilo Batista),
a questão da alteridade. Assim, esse princípio fundamental à democrati-
zação do sistema penal enuncia que só pode ser castigado o comporta-
mento que lesione concretamente direitos de outras pessoas.
O Direito Penal das drogas viola o “princípio da lesividade” porque,
nas várias condutas descritas nas leis internas sobre drogas ilícitas, não há
risco ou lesão maior a direito de outra pessoa do que aquele risco ou lesão
que existe no momento em que um adulto entrega uma garrafa de vinho
para outro adulto. É o mesmo risco, é a mesma lesão. Ou, por exemplo, o
risco que assume o proprietário de uma firma que explore o
bungee jum-
ping
ao autorizar alguém que pule. É o mesmo risco, é a mesma lesão (o
exemplo do
bungee jumping
não é meu, é do Professor Schünemann)
10
.
Ou seja, não há lesão juridicamente considerável, logo não há lesividade.
Note-se que em todos esses exemplos é o consumidor individual que se
autocoloca em perigo de modo livre e consciente. Quem quer comprar
uma droga, lícita ou ilícita, em princípio, sabe o que está comprando. Se
há risco, ele livre e conscientemente se coloca nessa situação. Nesses ca-
sos o Estado tem – é um dever, é imperativo – o Estado tem que respeitar
a autonomia do cidadão, por mais que os agentes do Estado possam con-
siderar um erro, um risco, a conduta de fumar um cigarro de maconha, de
usar cocaína, heroína, o que quer que seja. Porque se não for respeitada a
autonomia da pessoa, não há Estado Democrático de direito.
Viola-se a máxima da vitimodogmática formulada por Schünemann
há mais de trinta anos, o chamado princípio da
ultima ratio
: o Direito Pe-
nal não pode ser chamado para atuar em qualquer situação; o Direito
Penal não pode ser chamado a atuar contra a vontade daquele que seria
o lesionado pela conduta criminalizada.
É importante – e isso me parece fundamental – compreender, e a
sociedade brasileira bem como os agentes estatais têm que se conscien-
tizar disso, que tomar decisões pelos outros é uma postura autoritária.
A minha vontade não pode prevalecer sobre a vontade do “outro” em
situações que apenas esse outro vai arcar com as consequências de sua
conduta. A própria concepção de “contrato social”, que ainda é a base
de todo o Direito Penal liberal, parte da premissa de que o cidadão abre
mão apenas, e tão somente, da liberdade necessária para possibilitar a
proteção recíproca diante dos demais (isso já estava em Locke). Ou seja,
10 Ob. cit.