Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 34

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 27 - 37, out. - dez. 2013
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seja a verdadeira “porta de entrada para drogas mais pesadas”, na medi-
da em que a proibição força o encontro do usuário de drogas leves com
comerciantes de todos os tipos de drogas.
Ademais, há uma tradição que enxerga o acusado pelo crime de trá-
fico como um inimigo a ser combatido. Inimigo que, por definição, é um
não-cidadão, alguém despido dos direitos conferidos aos cidadãos. Em
pesquisas realizadas pelo Brasil, constatou-se que o discurso da “guerra às
drogas” se faz sempre presente na fala de juízes, de promotores e policiais
envolvidos no “combate às drogas”.
Outra distorção constante, e facilmente verificável em diversas deci-
sões judiciais, é a confusão entre as figuras do “usuário” e do “dependente”
de drogas ilícitas. Preconceitos fazem com que o uso predominantemente
recreativo seja confundido com os usos mais problemáticos das drogas. E,
não raro, essa insistência de tratar o mero usuário como se dependente
fosse, acarreta mais respostas estatais inefetivas (para não dizer perversas).
Enfim, a pré-compreensão dos atores jurídicos sobre a questão das
drogas, recheada de moralismos e mitos, parte da crença no uso da força,
para resolver os mais variados problemas sociais. A grosso modo, pode-se
falar que os atores jurídicos descontextualizam a questão das drogas ilícitas,
desqualificam a relação do homem com as drogas e a redefine como mero
caso de segurança pública, a ser resolvido com a exclusão do “diferente”, do
outro (usuário ou “traficante”), com o qual o ator jurídico não se identifica.
Eu também estou convencido de que o tratamento penal da questão
das drogas ilícitas só se mantém por causa dessas mentiras, por causa dessas
fraudes, muitas vezes difundidas pelos meios de comunicação de massa que,
por mais impressionante que possa parecer, influenciam mais os atores jurí-
dicos e o legislador do que todas as pesquisas que estão a ser produzidas no
Brasil e no resto do mundo. A mídia, hoje, influencia mais os julgamentos do
que textos doutrinários e demais produções científicas sobre o tema.
Aliás, cada vez mais, a produção científica é substituída por “achis-
mos”, por um senso comum apartado do conhecimento produzido so-
bre o tema. Nesse quadro, as teorias penais passam a ser subutilizadas
ou desconsideradas na sociedade brasileira em nome da necessidade
de atender aos anseios punitivos produzidos por grupos de interesse (o
“medo” produz lucros). Vale lembrar, porém, que as teorias penais, ao
menos nas sociedades democráticas, só existem e se justificam a partir da
finalidade de conter o poder punitivo, de conter o poder penal. Sempre
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