Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 32

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 27 - 37, out. - dez. 2013
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princípio da dignidade da pessoa humana. Não seria difícil. Eu poderia
citar um exemplo, formulado por Schünemann
7
, construído a partir da
necessidade de se respeitar o princípio de proteção de bens jurídicos e
da premissa de que o controle social, através do Direito Penal, só pode
se dar em situações muito excepcionais: o crime de tráfico de drogas só
pode abranger condutas que visem proteger pessoas sem capacidade de
exercer conscientemente a aquisição e o consumo de drogas. Ou seja, o
controle estatal de drogas ilícitas só pode ter lugar para proteger pessoas
incapazes de tomar decisões responsáveis, basicamente crianças, doen-
tes e loucos. Em relação aos que não podem exercer conscientemente a
aquisição e o consumo de drogas (note-se que o problema não é a droga
em si – uma substancia como tantas outras a disposição da sociedade –,
mas o uso abusivo que se faz dela
8
), apenas em relação às condutas que
atentassem contra o interesse desse círculo limitado de pessoas, se mos-
tra legítimo atuar o comando normativo constitucional que determina o
uso do direito penal no trato da questão das drogas.
Em outras palavras, o que deve ficar claro é que, se, por um lado,
a Constituição da República determina um tratamento penal para a ques-
tão das drogas ilícitas, por outro, cabe ao Estado e aos seus agentes dar
concretude, ou melhor, definir o que se entende por “tráfico de drogas”
à luz dos princípios constitucionais. Aos intérpretes impõe-se a missão de
adequar o “direito penal das drogas” aos direitos fundamentais.
Nesse tempo que falta, vou tentar apresentar três hipóteses. A
primeira é que as
normas internas sobre drogas ilícitas reproduzem co-
mandos baseados no paradigma proibicionista, que foi a opção política
consagrada nas convenções da ONU sobre drogas de 1961, 1971 e 1988
.
Convenções que são contrafáticas, na medida em que apostam em um
modelo que os relatórios publicados pela Comissão de Drogas Narcóticas
da própria ONU apontam como fracassado. Convenções que prometiam
acabar com o consumo de drogas, mas que propiciaram o aumento do
uso e do abuso dessas substâncias.
7 SCHÜNEMANN, Bernd. "O direito penal é a
ultima ratio
da proteção de bens jurídicos! Sobre os limites inviolá-
veis do direito penal em um Estado de Direito liberal". Trad. Luis Greco.
In
Revista Brasileira de Ciências Criminais
53/2005, mar.abr./2005, p. 336.
8 Hoje, não há mais dúvida de que o efeito de uma droga, lícita ou ilícita, é produto da interação de três fatores: a)
a substância em questão, com seu modo de ingestão, composição molecular e especificidades farmacológicas; b) o
corpo que recebe a droga, com sua história particular, suas marcas biológicas e, em alguma medida, suas predisposi-
ções inatas; e, principalmente, c) o ambiente físico e social em que ocorre o desejo e o uso da droga.
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