Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 36

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 27 - 37, out. - dez. 2013
34
A terceira hipótese, que é o objeto principal da minha fala, diz
respeito à inadequação do projeto criminalizador/proibicionista, dado
pelas convenções da ONU e pelas leis brasileiras sobre drogas ilícitas,
em relação a uma série de princípios e direitos fundamentais.
Parece-me
que essa inadequação é clara. Aqui, o conceito de direito fundamental
vai exercer uma dupla função: primeiro, como limite à intervenção penal,
uma função negativa, de óbice à intervenção estatal; segundo, uma fun-
ção positiva. Os direitos fundamentais, dentro dessa perspectiva, funcio-
nam como elementos hábeis à definição do objeto possível, porém não
necessário, da tutela penal.
Explica-se: o atual “Direito Penal das drogas”, se for colocado em
contraste com os direitos e garantias fundamentais, permite afirmar, em
primeiro lugar, que as leis brasileiras sobre drogas ilícitas violam o prin-
cípio da legalidade estrita, em especial o sub-princípio da representação
popular. Esse princípio exige um procedimento democrático pautado na
representatividade do parlamento como condição à elaboração de qual-
quer lei penal. Vale lembrar que esse princípio da legalidade estrita fun-
ciona como um dos principais dispositivos de controle do arbítrio e do
abuso do poder.
As leis brasileiras sobre drogas violam a legalidade estrita porque
recorrem à técnica da lei penal em branco e também à formulação de ti-
pos penais abertos. Ao recorrer à técnica (diga-se: antidemocrática) da lei
penal em branco, o legislador viola o procedimento da criação da lei pe-
nal, relativiza o monopólio legislativo, e, nas palavras no querido Salo de
Carvalho presente nessa mesa, gera profunda crise no sistema de legali-
dade constitucional, ao permitir que um órgão do Poder Executivo estabe-
leça o conteúdo formal do tipo formal (estabeleça, para fins penais, o que
é droga ilícita). Isso para não repetir que a técnica da lei penal em branco
evita os debates democráticos que deveriam ocorrer no parlamento.
De igual sorte, o recurso, nas leis internas sobre drogas, a “concei-
tos abertos”, conceitos que gozam de “anemia semântica” (Alexandre Mo-
rais da Rosa), propicia arbítrios, decisionismos e perversões inquisitoriais
dos atores jurídicos.
Mas não é só.
O “Direito Penal das drogas” no Brasil viola também o
princípio da
lesividade.
Princípio que pode ser traduzido no axioma
nullum crimen
sine injuria
– “não há crime sem lesão”. Frise-se que o “princípio da lesivi-
1...,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35 37,38,39,40,41,42,43,44,45,46,...129
Powered by FlippingBook