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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 27 - 37, out. - dez. 2013
tas, com a ideologia que o sustenta, praticamente ressuscitou a
prisão de
curso forçado
, comum em períodos autoritários e de odiosa lembrança
no Brasil.
Apresentadas essas premissas, qual o óbice para se abandonar o
paradigma
proibicionista
? O que impede o abandono do atual “Direito Pe-
nal das drogas”? Por que não se trata a questão das drogas, lícitas e ilícitas,
no
locus
adequado, ou seja, como um problema de saúde pública? Afinal,
qual é o óbice a um tratamento racional à questão das drogas ilícitas?
No Brasil, há um óbice de natureza constitucional. Isso porque o
legislador constituinte cedeu ao clima paranoico que cerca a questão das
drogas e fez do traficante o novo herege (Nilo Batista
5
). Nós temos na
Constituição da República um comando legal a impor um tratamento se-
vero para o crime de tráfico de drogas, que foi equiparado aos crimes
hediondos.
Por evidente, esse óbice não é intransponível. Com dois neurônios,
é possível racionalizar o tratamento dado à questão das drogas ilícitas
através de um recurso hermenêutico. Em outras palavras, a interpreta-
ção/aplicação do direito permite afastar ou reduzir consideravelmente os
danos causados pelo “Direito Penal das Drogas”.
Há uma solução hermenêutica radical. Na linha desenvolvida por
Otto Bachof
6
dentre outros, é possível considerar que existem “normas
constitucionais inconstitucionais”, ou seja, reconhece-se a existência de
normas formalmente constitucionais, mas que se revelam suicidas, na
medida em que, se forem aplicadas, concretizam a violação de regras, de
princípios ou do próprio sistema constitucional. Há nesses casos uma in-
constitucionalidade concreta, na medida em que a aplicação desse trata-
mento severo e irracional às diversas condutas atualmente descritas no
artigo 33 da Lei 11.343/2006 gera uma verdadeira prática genocida; uma
prática genocida que implica no desrespeito a diversos direitos funda-
mentais, que dão expressão ao princípio da dignidade da pessoa humana.
A outra solução hermenêutica, que me parece mais factível, con-
sistiria em redimensionar o crime de tráfico de drogas para adequar essa
figura típica aos direitos fundamentais, em especial ao já mencionado
5 BATISTA, Nilo. "Política criminal com derramamento de Sangue".
Revista Brasileira de Ciências Criminais
. São Paulo,
Ed. Revista dos Tribunais, ano 5, n.º 20, p. 129, outubro-dezembro de 1997.
6 BACHOF, Otto.
Normas constitucionais inconstitucionais
. Coimbra: Almedina, 1994,.