Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 35

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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 27 - 37, out. - dez. 2013
que uma teoria é distorcida, há a certeza de se estar diante de movimen-
tos autoritários de ampliação do poder e de restrição de direitos e garan-
tias fundamentais.
Recentemente nós tivemos o exemplo, no Supremo Tribunal Fede-
ral, no curso do julgamento da Ação Penal nº 470, da distorção da
teo-
ria do domínio do fato
, para transformá-la em uma regra de inversão do
ônus da prova, em uma hipótese que beira a responsabilidade objetiva
em matéria penal. E isso para afastar a incidência da dimensão probatória
do princípio da presunção de inocência.
No que se refere ao chamado “Direito Penal das drogas” não é mui-
to diferente. A fraude teórica pode ser facilmente identificada. Não raro,
atores jurídicos ou alguns “doutrinadores”, do tipo a que o Professor Nilo
Batista se referia em fala neste evento, mais precisamente aqueles “teó-
ricos” que são chamados para justificar os editoriais dos grandes jornais,
fundamentam suas teorias a partir de distorções ou mitos, quando não
produzem suas “obras” a partir de jurisprudências, estas, por sua vez, fun-
dadas no que a grande mídia produz diariamente. Distorcem, por exem-
plo, a
teoria dos bens jurídicos
para justificar a criminalização de condu-
tas que se subsumem aos diversos verbos que compõem o tipo de tráfico
de drogas.
Para esses “teóricos”, o crime de tráfico seria um delito de lesão,
alguns falam em um delito de perigo concreto à saúde pública, um direito
coletivo. Essa fraude, de que a saúde pública é um bem jurídico coleti-
vo, já foi bem denunciada e desconstruída por teóricos sérios. No Brasil,
Maria Lucia Karam, Luís Greco, Juarez Tavares, dentre outros. Na Alema-
nha, Hassemer, Roxin e Schünemann explicaram à exaustão o equívoco
dessa posição. A “saúde pública”, explicam esses autores, é a soma das
saúdes individuais. Assim, não passa de um bem aparentemente coletivo.
A distorção está em tratar como coletivo o que, na verdade, constitui vá-
rios bens jurídicos individuais. Por evidente, não há lesão, ou sequer risco
concreto de lesão, a qualquer bem jurídico coletivo no ato de uma pessoa
entregar um cigarro de maconha ou qualquer outra droga, lícita ou ilícita,
para outra.
Aliás, em alguns manuais de Direito Penal vão ser achadas outras
distorções teóricas gritantes, como, para citar mais um exemplo, a amplia-
ção do conceito de “perigo concreto” para abarcar diversas condutas da
Lei de drogas.
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