Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 23

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 9 - 23, out. - dez. 2013
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Joaquim Barbosa. Se você torturar, vai virar herói nacional como o “Capi-
tão Nascimento”. Certamente não é esse tipo de heroísmo que se espera
de nenhum funcionário comprometido com o Estado de direito. Aqui na
Escola da Magistratura, aqui no Judiciário trava-se uma luta muito especí-
fica, porque o Poder judiciário não pode ser um facilitador do poder puni-
tivo. Quando o Poder Judiciário, ao invés de ser o guardião infranqueável
das garantias individuais, destinado a conter todo poder punitivo que seja
ilegal, que seja inconstitucional ou que seja irracional (como aquela omis-
são de socorro de vítima morta do Código de Trânsito, que criminaliza o
descumprimento de um dever inútil) nós estamos num caminho preocu-
pante. E nós estamos num caminho preocupante!
A criminalização das drogas é uma etapa completamente fracas-
sada, mas que foi muito útil para várias estratégias do imperialismo. Na
metade do século XX, os Estados Unidos exportavam Escolas de guerra,
como aquela que tem ali na Urca. Passou a exportar Escolas de Polícia.
Acho que nós estamos vivendo um período muito difícil. A Constituição
de 1988 era a promessa de uma sociedade livre, justa, igualitária e está
criando uma sociedade de presos, de vigiados, de suspeição generalizada.
Tudo é resolvido pela pena, a pena alivia a dor coletiva. Nessa recente
tragédia do ônibus, que Nelson Rodrigues contaria muito melhor que nós
na Justiça vamos contar, parece que o garoto que estava discutindo com
o motorista já está sendo olhado como responsável por homicídio doloso.
Então, enquanto ele e o motorista estavam falando um da mãe do outro,
o garoto pensava: “Estou assumindo que vou matar uma dúzia de pessoas
aqui junto comigo”. Olha o espetáculo em Santa Maria, o que é aquilo? O
que é aquilo? Parece um auto de fé. Eu vi uma reunião e fiquei pensando:
Meu Deus! Só faltam umas tochas! O Delegado garantiu seu bom espaço
no Jornal Nacional. Aquilo é uma tragédia em si. Agora, será que a con-
duta do cara da “Gurizada Fandangueira”, o coitado que teve aquela ideia
infeliz de soltar um rojão em plena boate, será a conduta dele apreciada
com os utensílios teóricos que o direito penal produz? Se não são esses
utensílios, o que é que estamos usando? Esses sentimentos?
Então temos que nos ressensibilizar. Está na hora de pensarmos
muito sobre o que fazemos no exercício das nossas profissões, nós que
trabalhamos com justiça criminal. E esse é um momento muito feliz para
podermos fazer isso. E a partir desse enorme fracasso, que apenas sobre-
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