R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 9 - 23, out. - dez. 2013
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isto que está aí. E cometemos um erro enorme no qual persistimos. É claro
que o golpe foi um golpe civil-militar e sua superação também foi uma
superação civil-militar. Se não tivesse havido o desastre econômico, aqui-
lo se sustentaria mais algum tempo. Ocorre que as violações dos direitos
humanos não foram produto do poder militar, foram produto do poder
punitivo exercido, às vezes, por militares em funções policiais e, às vezes,
diretamente por civis. O fato de tantas coisas serem idealizadas, escondi-
das, recalcadas no estudo das chamadas ciências criminais, nos impede
de distinguir o poder punitivo do poder militar. E não somos apenas nós.
Quem conhece a obra de Norbert Elias, vai ver que também ali, na for-
mação dos Estados nacionais europeus, ele também mistura os dois. E na
literatura da ciência política moderna, de Maquiavel para cá, também fica
escondido. Lá em Maquiavel, nos principados novos, é preciso extinguir
a estirpe do príncipe anterior. Mas isso é feito como? Nos tribunais, com
juízes e verdugos, é com isso que se extingue a estirpe. Isso vaza pelos
nossos dedos porque nós não discutimos isso, nós nos refugiamos nessas
alucinações, tão comuns nas escolas de direito, nessas idealizações. Todos
os genocídios do século XX foram feitos ou por forças policiais ou por for-
ças militares exercendo funções policiais, e aqui também. Era na Barão de
Mesquita porque lá era a polícia do exército, que, aliás, era um pouquinho
independente do DOI - CODI. Mas curiosamente nós resolvemos achar que
a policização das relações sociais é o grande caminho, é a grande solução
para nossos problemas. Não nos demos conta de que o Estado do Direito
que nós pensávamos em construir em 1988 é o lugar da liberdade. Não
é o lugar da vigilância. Toda vez que você regula os conflitos sociais
valendo-se da força policial você está requerendo do sistema penal tarefas
que não lhe concernem e que ele não tem a menor possibilidade de resol-
ver. Aquilo que na ditadura torturou, matou e fez desaparecer era poder
punitivo subterrâneo, da cadeira do dragão ao choque elétrico, aquilo era
poder punitivo subterrâneo, aquilo era sistema penal subterrâneo. Se a
gente olha para aquilo e pensa nas Forças Armadas, a gente simplesmente
não está vendo o que aconteceu conosco. E é isso que eu simplesmente
vejo aí, porque todo mundo se perde na referência ao poder militar, mas
do poder punitivo não se pode falar. Porque o poder punitivo é hoje algo
muito louvável, quanto mais punir, mais você é o herói. Olha o Ministro