Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 21

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 9 - 23, out. - dez. 2013
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a inquestionável legitimidade política de uma luta de libertação nacional,
uma luta revolucionária, para poder apresentar aos leitores conformistas
do
Globo
uma imagem segundo a qual as FARCs são um bando de crimi-
nosos. Serviu para isso, essa é uma super-função. E através da criminali-
zação foi possível afiar mais a faca de degola das FARCs. Aquela operação
teve informações policiais.
Isso me permite introduzir um assunto: eu não compreendo que
existam uns brasileiros que tratam a questão da violação dos Direitos Hu-
manos como se fosse um dado da enologia, desse saber prático que se
ocupa não só da degustação – até aí tudo bem – mas do conhecimento
dos vinhos. Eles só se interessam por violações dos direitos humanos fei-
tas há mais de trinta anos atrás. As atuais não são de boa safra. Sua sensi-
bilidade coincide com a trágica experiência da classe média que conheceu
o pau de arara durante a ditadura. A Comissão de Direitos Humanos da
OAB-RJ foi demitida pelo então presidente, Wadih Damous, que hoje che-
fia a Comissão da Verdade aqui, quando eles acharam que a morte dos
dezenove no “Alemão” era uma coisa absurda. Qualquer operação policial
com dezenove mortos é uma lambança em qualquer lugar do mundo, me-
nos para essa visão tão seletiva, para a qual violações de direitos humanos
só interessam com mais de trinta anos atrás e as atuais não contam. Se a
pessoa não tiver um pouquinho de formação política, ela pode ir ao pau
de arara e pode ser morta, pode mesmo ser executada que isso não será
muito relevante, pelo menos enquanto não aparecer no “Fantástico”.
Foi incrível como a droga conseguiu simbolicamente galvanizar em
torno dela tantos sentimentos, ser um motivo tão plástico, tão adaptável
a vários discursos conservadores, mas com essa nota: todos os discursos
aos quais ela se adaptou ou realimentou eram discursos profundamente
conservadores, discursos com um intencional déficit de visão claríssimo.
Nós saímos da ditadura, fizemos a Constituição há vinte e cinco anos
atrás e dissemos: “nós vamos construir uma sociedade livre”. Prendemos
e criminalizamos doze vezes mais para construir a tal sociedade livre. Se a
gente continuar a construir essa sociedade livre no mesmo ritmo, a Cons-
tituição vai virar um regulamento penitenciário, porque é uma progressão
fantástica e alucinada, para qual a contribuição do proibicionismo em ma-
téria de drogas é muito importante. Mas saímos da ditadura para construir
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