Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 83

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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 73 - 82, out. - dez. 2013
o uso esporádico de uma droga ilícita, como a maconha, sem nenhuma
consequência maior para o irmão de dezessete anos, era visto como uma
doença gravíssima que merecia uma privação de liberdade.
Não posso dizer que não exista indicação de internação. Existem
situações agudas em que a pessoa pode passar mal sob o efeito de uma
substância. Há pessoas que entram em coma alcoólico. Isso não tem nada
a ver com a legalidade ou ilegalidade de uma substância; tem a ver com
efeitos indesejáveis,
overdoses
, intoxicações, ou seja, são desvios de rota,
não é a norma isso acontecer.
Antes de finalizar, gostaria de chamar atenção para uma questão
básica. Não há mais sentido em ficarmos fundamentando nenhum tipo
de prática a partir dessa classificação de drogas. O fato de uma droga ser
lícita ou ilícita nada nos diz sobre os riscos, sobre os danos, sobre os preju-
ízos em que o indivíduo está incorrendo. Muitas pessoas ainda hoje usam
o fato da legalidade e da ilegalidade como se fosse um grande norte, no
sentido de tomar medidas médicas ou jurídicas.
Outra questão que entendo importante é o mau uso que se faz des-
se tipo de discurso, como é o caso, por exemplo, que atinge as populações
de grandes vulnerabilidades sociais, populações excluídas. Argumenta-se
que, existindo um comportamento de autodestruição através das drogas,
poder-se-iam restringir os direitos individuais do indivíduo, levando-o
coercitivamente para um isolamento social só porque está usando uma
droga ilícita. Sabemos que a maioria do pessoal na “cracolândia” tem um
problema muito maior de álcool do que de crack, e isso não é visto. Nova-
mente, existe uma minimização do problema do álcool e uma maximiza-
ção do problema das drogas ilícitas, o que nos leva mais uma vez a ques-
tionar os nossos sistemas classificatórios do uso das drogas.
Finalmente, volto ao que falei no início – falei para vocês que so-
mente uma minoria dos usuários de qualquer tipo de droga lícita ou ilíci-
ta se torna dependente, acabando por desenvolver um comportamento
abusivo, exagerado, a partir do qual esse uso se torna danoso. Então, co-
meçamos a questionar as diferentes formas de abordagem em relação a
um usuário ou a um dependente. E aí não podemos partir somente de
um critério jurídico de legalidade ou ilegalidade da substância, ou seja,
isso também não faz sentido nessa hora. Quando pensamos no que tor-
nou um indivíduo dependente – e, como falei para vocês, existem muitos
questionamentos, muitas ideias e pesquisas – temos falado nesses fatores
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