Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 78

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 73 - 82, out. - dez. 2013
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algo muito relacionado à questão da legalidade ou ilegalidade de uma
substância. Existe uma tendência de a sociedade tratar as drogas ilícitas
como potencialmente mais agressivas ou mais perigosas. E existem pesso-
as que acreditam que só pelo fato de o indivíduo estar usando uma droga
ilícita, ele já estaria na qualidade de dependente. Isso não tem qualquer
fundamentação científica que possa embasar esse tipo de crença. Isso se
situa na esfera do ideológico.
Já que falei de drogas lícitas e ilícitas, outra questão que precisamos
lembrar é um dos aspectos do proibicionismo. O proibicionismo é uma
questão tão ampla, com tantas facetas, mas tem um aspecto que gosta-
ria de destacar aqui. Sabemos, pela experiência de todos os relatos, de
diversas evidências em diversos momentos históricos, que todas as vezes
em que, focalizando em determinado grupo, determinada população, de-
terminado governo instituiu medidas restritivas, repressoras, muito vio-
lentas, isso estimulou formas de consumo mais perigosas. Um exemplo
cabal disso é a lei seca americana. A lei seca americana durou de 1919 até
1933. O que aconteceu? Ela foi revogada porque foi um grande desastre.
Ela fez muitas coisas ruins. A única coisa que não fez foi diminuir o núme-
ro de dependentes. Quem era dependente de álcool passou a recorrer a
alambiques clandestinos, ou seja, não deixou miraculosamente, em um
passe de mágica, de ser um dependente de álcool. Mas, o que a lei seca
provocou, dentre outras coisas – falei de estímulo a formas mais perigosas
de consumo – foi o único momento na história da humanidade em que
existe registro de uso injetável de álcool. Isso nunca foi registrado em ne-
nhum outro momento da história da humanidade. Por que isso? Porque
o acesso é tão difícil, a pessoa tem tanta necessidade de usar aquilo, que
na hora em que consegue uma pequena quantidade, precisa ter o efeito
máximo que puder; então se injeta. Sendo assim, sabemos que todas as
vezes em que se restringe o acesso de um produto, através de medidas
repressivas proibicionistas, você estimula formas de consumo mais peri-
gosas e mais agressivas.
A grande maioria dos usuários de drogas, sejam elas lícitas, como o
álcool, ou ilícitas, como a cocaína e a maconha, não se torna dependente.
Mas a grande dúvida para nós, técnicos da área, é saber quem é quem,
quem vai ser um usuário a vida inteira e quem vai virar um dependente.
O que faz com que um grupo consiga ser usuário e nunca se torne um
dependente e outro grupo tenha tal nível de vulnerabilidade que vá se
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