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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 73 - 82, out. - dez. 2013
contundentes. Por exemplo, os grandes levantamentos epidemiológicos
do CEBRID mostram que as taxas de dependência de álcool ou de uso que
provavelmente indique uma dependência são da ordem de dez a quinze
por cento da população geral brasileira. Quando formos verificar o que
acontece com a cocaína e o crack, a ordem é de zero vírgula quatro por
cento, ou seja, o problema da dependência ou da “epidemia” de crack
– tão divulgada virou um patrimônio político para ser jogado como uma
grande arma de comoção pública – é de uma ordem infinitamente infe-
rior ao problema do álcool. O problema do álcool é, pelo menos, trinta
vezes mais grave do que o problema do crack. O que existe é uma série
de holofotes em cima da questão do crack e uma certa “diabolização” das
drogas ilícitas de um modo geral e agora é a vez do crack, ou seja, não
existe fundamentação epidemiológica científica para se falar que existe
uma epidemia. Não sabemos; só sabemos que existe, mas não sabemos
se é apenas um aumento de visibilidade. Caracterizar isso como epidemia
não é possível.
Outra questão: existe uma série de estudos, especialmente nos Es-
tados Unidos, fazendo a seguinte avaliação: qual é o risco de uma pessoa
que experimenta uma determinada substância se tornar dependente? Se
verificarmos no álcool, entre cem pessoas que experimentam o álcool, te-
mos uma taxa de quinze por cento que se torna dependente, o que é um
pouco parecido com o que falei sobre as estatísticas brasileiras. A maco-
nha é uma droga ilícita; entre cem pessoas que usam maconha, nove vão
se tornar dependentes, ou seja, o discurso a partir do usuário de maconha
não corresponde à informação epidemiológica que temos: o risco de você
se tornar dependente é pequeno, muito menor que o do álcool. E mesmo
quanto à cocaína, que é uma droga mais agressiva, os estudos variam,
mas temos taxas de dezessete a vinte e um por cento dos usuários se tor-
nando dependentes. Isso significa, se olharmos pelo inverso, que pratica-
mente oitenta por cento de quem usa cocaína não se torna dependente.
Por que estou levantando isso? Não estou aqui para fazer apologia
do uso de drogas ou falar que elas não são problemáticas. De forma algu-
ma. Trabalho com isso há vinte e cinco anos e sei o quanto as drogas são
um problema para muita gente. O que estou dizendo é que existe um dis-
curso a respeito das drogas que é um discurso que perverte uma realidade
que não é apresentada, ou seja, que o problema de dependência existe,
mas é de uma minoria dos usuários. Isso já coloca abaixo, já desmonta