Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 81

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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 73 - 82, out. - dez. 2013
usuário, verificamos que a história é outra. Tivemos essa experiência e
continuamos a fazer trabalhos de rua, o trabalho de redução de danos.
Temos, inclusive, um trabalho atualmente na “cracolândia” do Centro de
São Paulo, na Praça da Sé, onde encontramos o mesmo nível de problema.
Vemos essas ações absurdas dos governos de promover interna-
ção compulsória dessas populações excluídas, criando vários campos de
concentração, porque eles são mandados não para um hospital, mas para
verdadeiros depósitos do modelo manicomial mais abjeto que existe.
Muita gente sabe que é muito mais uma medida de exclusão social, de
higienização, do que de atenção, de algum cuidado que eles precisem. A
partir daí, se autoriza essa intervenção do Estado tão negativa; a partir de
uma inversão do discurso, atribuindo a situação de miséria social à droga,
como se a droga estivesse colocando aquele indivíduo naquela situação
de miséria social. Contudo, sabemos que não é isso, aquelas pessoas es-
tão naquela situação porque não têm acesso à moradia, à educação, à
saúde – elas estão privadas da própria cidadania. É claro, pessoas com tal
nível de vulnerabilidade social são um prato cheio para na hora em que
entrarem em contato com a droga se tornarem dependentes. Mas, a de-
pendência é uma consequência, não a causa dessa situação.
O que basicamente tentamos defender como questão central no
modelo de abordagem é a voluntariedade. Sabemos que um indivíduo
que usa uma substância não vai parar porque uma pessoa quer; porque a
mãe quer; porque o cônjuge quer. A pessoa precisa ter um nível de aber-
tura para dizer que não quer mais usar tal substância, que gostaria de não
usar mais, pois não é o desejo do outro que irá resolver essa questão.
Então, a questão da voluntariedade é fundamental. Todas as vezes em que
se usa um tratamento coercitivo, seja através de internações involuntárias
autorizadas por um médico, seja através de internações compulsórias de-
cretadas por um juiz, a taxa de eficácia é baixíssima. O indivíduo é levado
para um sistema, como se fosse um sistema prisional; é levado contra
a vontade; é colocado em um sistema onde fica abstinente durante um
período de tempo. Via de regra, esse indivíduo recai: sabemos que a taxa
de recaída é por volta de 90%, quando não superior, com a internação
involuntária. Temos alguns dados que, mostram que em 70% dos casos, a
recaída acontece na primeira semana após o indivíduo sair da internação.
É muito fácil o indivíduo se manter longe de uma droga quando está em
uma situação de artificialidade, está em uma clínica, está isolado dos pro-
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