Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 82

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 73 - 82, out. - dez. 2013
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blemas dele, do meio ambiente. O difícil é ele se manter longe da droga da
qual ele é dependente quando tem que enfrentar os seus problemas, seu
quotidiano, sua vida, enfim, as dificuldades, ou seja, aquele conjunto de
fatores que o coloca na situação de fragilidade que o leva à dependência.
Então é por isso que nos baseamos muito na questão da volunta-
riedade. Além de todo o questionamento ético: qual é o direito que tenho
de impor a alguém determinada conduta contra a vontade dele? Contudo,
tem a questão básica, médica, que é a que me autoriza a tratar o indiví-
duo desde que ele se voluntarie e queira abandonar aquela dependência.
Outra coisa que também se preconiza é que não se façam internações a
longo prazo. Sabemos que as internações compulsórias, além de serem
inadequadas, não se fazem em ambiente propriamente hospitalar, mas
sim carcerário e exilar, durando, muitas vezes, meses ou anos.
Lembro-me de um casal que, certa vez, me procurou, dizendo que
tinham um filho dependente químico internado havia dois anos e que,
como não gostavam mais do médico que o estava tratando, perguntaram
se eu poderia tratá-lo. Sendo assim, fui até o hospital psiquiátrico onde
o menino de vinte e um anos estava internado havia dois anos. Ele era
usuário ocasional de maconha – essa a razão pela qual foi internado con-
tra a vontade dele. Um detalhe, esse menino era HIV positivo, então não
sei quantos anos de vida ele ainda teria, pois isso foi em uma época em
que não existiam os tratamentos que temos hoje; isso foi há vinte anos.
Sabíamos que o tempo de sobrevida de uma pessoa HIV positivo não era
como hoje, era algo muito menor. Sendo assim, ele estava passando os
últimos anos da vida dele em um hospital psiquiátrico porque era usuário
ocasional de maconha. Vendo esse tipo de arbitrariedade que é cometida,
então, nesse caso, minha atitude foi de imediatamente liberar esse meni-
no. Disse para ele ir para casa. Qual a justificativa de se fazer esse tipo de
aviltamento à liberdade individual de um jovem?
Também fui chamado para outro atendimento de um jovem de de-
zessete anos que fumava um baseado de maconha aos sábados. A família
internou esse jovem, com anuência do dono do hospital psiquiátrico, por
achar que ele era um dependente químico. O irmão dele, de dezoito anos,
costumava chegar em casa quatro vezes por semana completamente bê-
bado, mas a família achava isso muito interessante; achava que ele era
sociável e que estava indo bem na vida. Então, só porque o álcool tem
um
status
de droga legal, seu uso abusivo era aplaudido pela família. Já
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