Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 80

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 73 - 82, out. - dez. 2013
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perfil psicológico de um dependente. Sabemos que o dependente pode
ter qualquer característica psicológica, pode ser qualquer pessoa, com
qualquer perfil. Não existe uma especificidade, algo como um indivíduo
com tais ou tais características vai ser um dependente.
Essa grande diversidade leva-nos a defender a ideia, já defendida
pelos franceses desde a década de 1970, de que a dependência é ines-
pecífica, o que implica em algo muito importante para nós todos, para a
população toda, isto é, qualquer um de nós pode se tornar dependente
de alguma coisa, contudo só não sabemos de quê e se vai ser de algo lícito
ou ilícito. Ninguém está vacinado contra uma dependência, o que mostra
que os dependentes químicos não são os outros, somos nós. Essa é uma
maneira importante de a gente ressignificar o problema. E esse problema
fica ainda mais delicado quando entramos nas situações de grande vulne-
rabilidade social, por exemplo, o que os americanos chamam de
hidden
population
, populações escondidas, populações de difícil acesso ou popu-
lações em situações de rua, situações de exclusão social.
É a questão, por exemplo, das famosas “cracolândias”, onde você
encontra uma série de problemas, de privações, de vulnerabilidades de
diversas ordens, onde a droga entra também. Aqui, gostaria de destacar
duas experiências nossas. Uma é que quando começamos nosso serviço
na universidade, começamos a trabalhar com crianças de rua em 1994.
Essa foi nossa primeira experiência. Fomos a campo, ou seja, saímos do
ambulatório, do hospital, e fomos para a rua ver o que estava acontecen-
do com crianças e adolescentes. A motivação foi uma informação de que
os jovens estavam se drogando nas ruas. Uma menina de uns 13 anos que
entrevistei realmente me “desmontou”, dizendo o seguinte:
“Olha tio, eu
nem gosto muito do efeito da droga, mas, para sobreviver na rua, tenho
que me prostituir. E para conseguir ter uma relação sexual com adulto,
preciso estar drogada, senão morro de dor. É por isso que me drogo”.
Na
hora em que essa menina disse isso, eu pensei: a droga é o último proble-
ma dessa menina. Acho que a droga talvez seja a solução dessa menina,
ou seja, vamos parar de fazer discurso de achar que precisamos retirar
essas crianças das drogas. Essas crianças precisam de outras coisas e não
que a gente as retire das drogas.
A partir daí, começamos a questionar e ressignificar tudo o que a
gente pensava, todos os conceitos que tínhamos na cabeça, porque per-
cebemos que eram preconceitos. Na hora em que vamos falar com o
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