R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 96 - 104, out. - dez. 2013
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dado com substâncias psicoativas. A educação para a autonomia aplicada
às drogas restaura a possibilidade de pensar e construir uma fala original.
Para contornar os eventuais danos decorrentes da relação com as
drogas é preciso aprender a lidar com nossos desejos, construir
a capaci-
dade de deliberação lúcida
, construir uma subjetividade que seja capaz
de deliberação e de vontade
. A construção de autonomia se opõe à pre-
tensão de
erradicar do espírito e da alma qualquer traço de pensar e que-
rer próprios.
Uma sociedade autônoma não somente sabe explicitamente
que criou suas leis, mas se institui de modo a liberar seu imaginário e ser
capaz de alterar suas instituições mediante sua própria atividade coletiva,
reflexiva e deliberativa
15
.
Mas por que é tão difícil
formular um discurso alternativo
ao proi-
bicionismo? A construção dos discursos que envolvem o poder, tais como
o discurso sobre a política, a sexualidade e as drogas passa por algumas
injunções. Elaborar uma fala própria gera angústia, dúvidas naturais a todo
começo e o sujeito tem o desejo de incorporar um discurso já pronto. Mais
do que tomar a palavra, ele deseja ser envolvido por ela, deseja encontrar-
se de imediato no interior do discurso, no qual as verdades, uma a uma, se
apresentem e ele apenas se deixe levar. A esse desejo, as instituições res-
pondem que o discurso existe na ordem das leis e que há muito tempo sua
expressão está dada, mas o preço a pagar será o do sujeito jamais ter uma
fala própria. Esse processo pressupõe procedimentos externos ao discurso
e que têm como objetivo conjurar os poderes, controlar acontecimentos
aleatórios, driblar sua pesada e temível materialidade
16
. A palavra proibida
seria o primeiro – nem todos têm o direito de falar sobre drogas em qual-
quer circunstância. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito exclusivo
e privilegiado de quem fala, são três interdições que se cruzam e que cons-
trangem o falar sobre drogas: a fala do especialista autorizada desde que
nos marcos da política antidrogas e em determinados espaços fechados. O
mais será apologia às drogas, discurso ideológico.
O segundo procedimento seria a oposição entre a razão e o discur-
so do usuário. A experiência de uso é criminalizada, negada a sua possi-
bilidade ainda que de forma controlada; ao mesmo tempo, lhe são atri-
buídos estranhos poderes. O discurso da experiência é excluído, embora
15 CASTORIADIS, C. 1989. "
Psicanálise, Pedagogia, Política"
,
In
Revista Lettre Internationale
, n° 21, p. 54-57.
16 FOUCAULT, M. 1971.
L’Ordre du Discours
. Ed. Gallimard, Paris.