Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 102

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 96 - 104, out. - dez. 2013
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época da ditadura militar de 64, incorporava os princípios e normas da Lei
de Segurança Nacional daquele período, não sendo, portanto, gratuito,
logo no seu primeiro parágrafo, o comprometimento do cidadão comum
no combate ao tráfico ilícito de drogas; ou ainda, a perda de subvenções
do Estado nas escolas onde o flagrante de uso não fosse denunciado às
autoridades. Difícil entender que a aparente descriminalização do uso, na
lei atual 11.343/2006, na prática não beneficia a todos igualmente, sendo
mais um privilégio de quem já os tem, num cenário em que uso e comér-
cio ilícito são tão facilmente considerados como uma mesma situação.
Recorrer aos estudos sobre usos e costumes relacionados às dro-
gas
esclarece o contexto de uso. Estudos epidemiológicos realizados pelo
CEBRID
10
nas escolas e nos domicílios traçam a realidade brasileira de uso
de drogas. Saber que o percentual de consumo das bebidas alcoólicas,
tabaco, substâncias permitidas por lei é mais alto que o de uso de drogas
ilícitas ajuda a definir prioridades. O Brasil é um país onde se experimenta
muito (ter consumido alguma droga pelo menos uma vez nos últimos seis
meses antes da pesquisa), mas o uso frequente é significativamente me-
nos importante (ter consumido alguma droga mais de 20 vezes no ultimo
mês antes da pesquisa). Outros estudos recentes
11
mapeiam e analisam
as pequenas cenas abertas de uso, pouco visíveis, móveis e dinâmicas,
levando em conta a diversidade regional e social brasileira. Entrevistam as
famílias, os amigos, conhecidos que interagem com essa população cujo
perfil se quer definir - jovens do sexo masculino, com baixa escolaridade,
excluídos do mercado formal de trabalho, envolvidos no trabalho sexual,
vivendo nas ruas, em situação de grande instabilidade, com precário aten-
dimento de saúde. Segundo esses estudos, muito mais do que tratar o uso
compulsivo, trata-se de evitar a miséria que favorece o uso do crack ‘para
ter mais energia para enfrentar um cotidiano adverso’, na busca de políti-
cas sociais amplas comprometidas com os direitos humanos.
A educação para a autonomia
valoriza o pensar.
A sociedade capi-
talista contemporânea procura dar aos sujeitos a impressão de que eles
têm possibilidades infinitas, de que podem decidir sobre tudo, mas de
fato, nós não percebemos o quanto as nossas escolhas são limitadas e
10 CEBRID, 2010.
VI Levantamento sobre o consumo de drogas entre estudantes do Ensino Fundamental e Médio das
redes de ensino pública e privada no Brasil
, Brasília, DF.
11 ANTUNES, A. 2013.
Crack, "
desinformação e sensacionalismo"
In
Revista Poli, Saúde Educação, Trabalho
, n. 27,
citando pesquisa realizada pela FIOCRUZ/Senad sobre consumo do crack em cidades brasileiras.
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