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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 110 - 114, out. - dez. 2013
no primeiro mandato do Lula, afirmei em um debate que separar tráfico
de consumo iria produzir mais encarceramento. O discurso da legalização,
que libera os consumidores e aprofunda a criminalização do tráfico, da
ponta mais pobre e por isso mais vulnerável aos efeitos do sistema penal
e da guerra é sem dúvida um discurso classista. E hoje vemos que a nova
lei produziu mais 40% de prisões relacionadas à droga. Maria Lucia Karam
participou da redação de outra proposta de lei muito mais viável, mas
que não passou pelo conservadorismo desinformado. O que assistimos
é um acirramento desse aparente fracasso da política criminal de drogas.
Foucault, em
Vigiar e Punir
, quando fala da prisão, diz que na história da
humanidade a prisão sempre foi um fracasso. Tanto que o abolicionista
Louk Hulsman dizia que a prisão sim é que era utópica, e não o aboli-
cionismo, porque a prisão nunca cumpriu nenhuma das promessas que
efetuara. O que Foucault dizia era que o aparente fracasso das prisões na
verdade escondia seu objetivo implícito que era tratar diferencialmente
as ilegalidades populares. E se a política criminal de drogas é um fracasso
em relação à produção, um fracasso em relação à comercialização, um
fracasso em relação ao consumo, ela produziu corrupção, violência, mor-
te, extermínio, sendo assim um grande sucesso na gestão da pobreza e na
atualização dessa truculência, dessa alma de torturador que nós carrega-
mos história afora. Então, acho que esse seminário foi um corajoso passo
à frente talvez no lugar mais estratégico: entre os agentes da lei. A polícia
é o grande escoadouro de muitos problemas sociais pungentes.
É importante percebermos que os Estados Unidos estão legalizando
inclusive o uso recreativo da maconha, o que sempre foi um tabu. Então,
Rosa Del Olmo, que sempre olhou para a questão das drogas em uma
perspectiva geopolítica latino-americana, nos faz refletir se vamos esperar
primeiro o Império legalizar, dominar a hegemonia dos meios de produ-
ção, antes de nós. A “Golden”, uma potente maconha colombiana, foi ex-
terminada da Colômbia, mas suas matrizes foram levadas para os Estados
Unidos. Produzir uma política latino-americana sem essa dicotomia entre
o usuário e o traficante, uma política criminal latino-americana soberana
e libertária a partir das realidades locais seria uma política criminal a favor
dos nossos povos. É impossível produzir um bom atendimento ao usuário
problemático de substâncias ilícitas na guerra; a guerra só aumenta o so-
frimento, a guerra produz um sofrimento a mais para aqueles que conhe-
cem essa dor que é o uso problemático. Acabar com essa guerra é mais