Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 124

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 115 - 125, out. - dez. 2013
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polícia dos Borbones da França, polícia de ocupação territorial, não a
polícia comunitária – essa, não copiamos.
O que está acontecendo agora é a mesma coisa. Para controlar a
nós, usam o poder punitivo. Isso tem uma vantagem para eles. Isso é fa-
vorecido imensamente por uma idolatria nova, que foi difundida desde
os Estados Unidos para o mundo todo. É a idolatria do poder punitivo.
Há alguns anos, antes da queda do muro, eu estava em um congresso na
Áustria, já tinha ouvido o que tinha que ouvir na comissão da qual eu fazia
parte e fui ouvir uma mesa em que estavam falando alguns americanos
e soviéticos. Estavam falando sobre prevenção de criminalidade nuclear.
Em determinado momento, eu estava perto de uma socióloga canaden-
se e perguntei a ela: “Olha! Estou certo do que estou ouvindo ou estou
ouvindo mal? Será que nenhum deles está pensando que se tivermos um
crime nuclear não ficaria ninguém de nós para julgar qualquer um?” A
criminóloga canadense era Ruth Morris, uma mulher extraordinária, sim-
pática, expansiva – coitada, morreu de câncer; ela dialogava com o câncer,
falava que o câncer se chamava Henry; era muito religiosa – e num certo
momento falou: “Raúl, para eles o sistema penal é deus; você não pen-
sou que o sistema penal tem capacidade de resolver o crime nuclear, tem
capacidade de resolver a droga, tem capacidade de salvar a Amazônia? É
um deus, é um ídolo, um falso deus que tem fundamentalistas, integristas,
fanáticos. Isso é fanatismo, não é de ouro como o ídolo da bíblia, é feito de
um material muito menos nobre, e é até mal cheiroso por sinal.”
Esse é o problema, essa idolatria nova; tudo vai ser resolvido pelo
sistema penal. É onipotente o sistema penal, é um deus. É uma nova di-
vindade. Então, é verdade, temos uma idolatria, mas essa idolatria atra-
vés de que é difundida? Através de que se espalha? Há alguns minutos,
ouvia que a sociedade brasileira é conservadora, reacionária, fascista. É
mentira! Existem alguns, mas não é a sociedade. A sociedade pensa do
modo que é informada. A opinião pública é a opinião publicada; e não é
pelos jornais, porque ninguém lê nada, é pela caixa idiota, pela televisão,
é a imagem. Aqui tem a
Revista Veja
, tem a
Rede Globo
, e nós temos a
nossa coisa também. Esse é o grande problema: a comunicação, a criação
da realidade.
Se todo dia se diz que temos um inimigo e o inimigo é o garoto da
favela, o adolescente da favela, nós vamos acreditar que temos um inimi-
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