Revista da EMERJ (Edição Especial) nº 63 - page 122

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63 (Edição Especial), p. 115 - 125, out. - dez. 2013
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o policial. É a resposta. E não mata policial porque esteja matando aquela
pessoa do policial. Mata policial porque o identifica com a repressão. O
policial é selecionado no mesmo bairro onde mora o criminalizado e tende
a andar pelas mesmas ruas, ou no mesmo ônibus. Esse é outro fenôme-
no que estamos percebendo. E o policial, como o criminalizado, também
parece não ter importância. Realmente, quando percebemos isso, temos
que pensar um pouco no que está acontecendo. Isso não é um problema
do poder punitivo, do sistema penal; é um problema político geral.
Se isolarmos o problema da droga e o problema do poder punitivo,
parecerá que estamos todos doidos. O que estamos fazendo com isso é
irracional, não tem jeito, é um absurdo. Levamos trinta anos de guerra
contra a droga e qual é o resultado da guerra contra a droga? Agora, tudo
é branco. Temos difundido o uso da cocaína como jamais visto; e não só
temos difundido o uso da cocaína, mas temos criado uma droga genocida,
um veneno, que é o “paco”. É um absurdo o que estamos fazendo.
Mas essa perspectiva, naturalmente, não tem racionalidade. A ex-
plicação não é essa. A coisa é bem diferente; temos de percebê-la em ter-
mos mais amplos. Nós podemos ter uma política geral de redistribuição
da renda, ou uma política geral de concentração da renda. No fundo é isso
que estamos a discutir. Parece que isso está longe do problema, mas não
está longe do problema; é sim a parte medular do problema. Se vamos
fazer uma política de redistribuição da renda, isso vai perturbar os setores
que querem reter a concentração da renda. Isso é claro. Aqueles setores
que querem reter a concentração da renda vão resistir a toda política de
redistribuição e o grande instrumento para resistir a essa política é o apa-
relho punitivo, que não é só policial; é judiciário, é doutrinário, é o que
falamos nas faculdades, é o que fazem os juízes, é o que faz o Ministério
Público. Todo aparelho punitivo é feito por um grupo hegemônico num
momento histórico, num certo momento, e quando vem outro grupo que
vai lesar os interesses desse grupo que detém a concentração da renda,
o aparelho punitivo é um obstáculo, inevitavelmente. É um obstáculo às
vezes grande. É um aparelho de concentração da renda. É muito funcional
para esse aparelho dificultar a redistribuição da renda através de uma po-
lítica de controle social muito cruel.
Não estamos no tempo dos czares, não estamos no tempo de Marx
– não. Hoje, não temos os cossacos dos czares ao redor da favela. Esse não
é o jeito de controlar nesse momento. O jeito de controlar a marginaliza-
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