

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 68-94, Maio/Agosto 2017
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de do ordenamento jurídico, em questões privadas, que devem se pautar,
sobretudo, no princípio da dignidade humana, considerado fundamento
do Estado Democrático de Direito brasileiro na esteira do art. 1ª, III da
Constituição Federal de 1988.
Maria Celina Bodin de Moraes destaca que “o descompasso existente
entre os conceitos essenciais do Direito civil [...] e o contexto, inteiramente
diferente, em que tais conceitos permaneciam sendo invocados, gerou uma
crise de identidade, ou melhor, uma crise de paradigmas”, que provocou,
junto a outros processos, a despatrimonialização e a publicização do direito
civil, com a reconstrução do direito privado.
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No âmbito do Direito de Família, essa crise não atingiu a família em
si, mas sim teve como alvo o “modelo familiar único, absoluto e totalizante,
representado pelo casamento indissolúvel, no qual o marido era o chefe da
sociedade conjugal e titular principal do pátrio poder”.
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A família passa, portanto, a ter uma função instrumental, qual seja,
a de permitir que seus membros se desenvolvam e realizem seus projetos
individuais de vida, restando superada a visão da família enquanto ins-
tituição, protegida em si mesma. Além disso, o aumento do número de
divórcios, como reflexo da crescente autonomia dos indivíduos para reali-
zarem suas próprias escolhas pessoais, provocou uma importante mudança
de eixo: a centralidade da família, outrora atribuída ao casamento, passa a
ser pautada pela filiação.
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Além disso, a ótica da dignidade humana impacta também a visão a
respeito das crianças e adolescentes, passando a Constituição de 1988 a con-
sagrar a Doutrina Jurídica da Proteção Integral, em substituição à Doutrina
da Situação Irregular que era a base do Código de Menores, de 1979 (Lei n.
6.697/79). Nesse contexto, as crianças e adolescentes são reconhecidos como
verdadeiros sujeitos de direito, privilegiando-se as soluções que melhor con-
templem e protejam seus interesses.
O princípio do melhor interesse da criança (
best interest of the
child
), embora não encontre positivação expressa no ordenamento brasilei-
ro, decorre da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada
pelo Brasil por meio do Decreto n. 99.710/9, que prevê, em seu art. 3.1,
8 MORAES, Maria Celina Bodin de.
Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil
. Rio de Janeiro: Renovar,
2010. p. 72.
9 MORAES, Maria Celina Bodin de.
A família democrática
. Disponível em:
<http://www.ibdfam.org.br/_img/con-
gressos/anais/31.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2016.
10 Ibidem.