

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 68-94, Maio/Agosto 2017
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Essa mudança de paradigma reflete-se tanto no âmbito das relações
conjugais, sendo estabelecida a igualdade entre homens e mulheres na ordem
jurídica e, consequentemente, entre marido e mulher na ordem familiar,
quanto nas relações parentais, sendo reconhecida a igualdade entre os filhos,
com a superação da distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.
3
Conferindo às entidades familiares especial proteção do Estado, o
Constituinte, no art. 226 da Carta Magna, contempla tal igualdade, proibin-
do quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, estabelecendo
o exercício igualitário dos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal,
e prevendo o planejamento familiar como livre decisão do casal.
Na nova ordem constitucional, a família passa a existir em função
dos seus membros, e não o contrário, passando a ter a função de permitir,
“em uma visão filosófico-eudemonista, a cada um dos seus membros, a rea-
lização de seus projetos pessoais de vida”.
4
Luiz Edson Fachin, na mesma linha capitaneada por Pietro
Perlingieri,
5
ressalta que, com a passagem da predominância da raciona-
lidade do Estado para a priorização das razões da sociedade, ocorre uma
releitura dos três principais institutos do Direito privado: a propriedade,
a família e o contrato, que passam a ser (re)interpretados a partir da cen-
tralidade da Constituição. Há um redirecionamento desses conceitos “de
uma perspectiva fulcrada no patrimônio e na abstração para outra racio-
nalidade que se baseia no valor da dignidade da pessoa”, como efeito da
constitucionalização do Direito privado.
6
Nesse contexto, o “Código Civil perdeu para a Constituição a po-
sição de centralidade da ordem jurídica privada”,
7
de modo que, hoje, é
a partir dos valores e princípios constitucionais que se constrói a unida-
3 “Antes da enunciação constitucional de igualdade, os filhos costumavam ser classificados de acordo com a situação de
seus pais. Poderiam ser denominados de naturais quando nascidos de pessoas não casadas, mas que não tinham qualquer
impedimento para a realização de tal ato. Poderiam ainda ser adulterinos ou incestuosos, os primeiros oriundos de rela-
cionamentos extraconjugais, portanto, filhos de pessoas impedidas de casar, eis que pelo menos um dos genitores já seria
casado, e os segundos, filhos de parentes próximos, também impedidos para o ato do matrimônio.” (TEPEDINO, Gus-
tavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição
da República. Vol. IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 189).
4 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família – As
famílias em perspectiva constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 62/63.
5 “No plano das relações civilísticas, a matriz personalista e solidarista do projeto constitucional impõe a revisitação dos
tradicionais institutos (propriedade, autonomia privada, família, formações sociais) em função do pleno desenvolvimento
e da dignidade da pessoa”. (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução Maria Cristina
de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 162).
6 FACHIN, Luiz Edson.
Direito civil: sentidos, transformações e fim
. Rio de Janeiro: Renovar, 2015. p. 51.
7 Ibidem, p. 62/64.