

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 377 - 397, Maio/Agosto 2017
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Nada obstante, em uma análise histórica, temos que a justeza da me-
dida justificou-se precisamente porque a evolução normativa, e a própria es-
truturação do controle, em nível nacional, da qualidade do sangue coletado
teve como mola mestra a epidemia de AIDS, que assolou o Brasil ceifando
vidas de forma descontrolada, tendo sido o primeiro caso confirmado iden-
tificado em 1980. Neste período, anos 1980 e 1990, foram registrados diver-
sos casos de contaminação após transfusão de sangue contaminado, o que
compelia à adoção de medidas protetivas, de modo a se garantir a qualidade
do produto biológico.
Difícil reproduzir aqui, em poucas palavras, o pânico gerado pela
epidemia de uma doença que até o presente momento, apesar dos avanços
que se obteve na área, não possui cura divulgada. Todavia, é fácil constatar
pela evolução normativa que a preocupação do legislador era evidente, e que
medidas urgentes eram necessárias, onde citamos como ilustração, a Lei nª.
7.649/88
8
, regulamentada pelo Decreto 95.721/88
9
; Portaria nª. 721/89
10
; e a
Portaria nª. 1376/93
11
.
Fato que permanece imutável, a sustentar o rigor da norma, até pela
própria dinâmica envolvida, é que os homens que fazem sexo com homens
continuam adotando um comportamento de risco. Aliás, termo muito mais
adequado do que grupo de risco, uma vez que sua prática sexual gera maior
frequência de relações sexuais anais, que originam lesões dérmicas, porta de
entrada para alguns vírus, bactérias e microrganismos.
O risco de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis através
de coito anal (inclusive entre um homem e uma mulher) é especialmente
elevado quando não se utiliza preservativo, e mesmo se utilizado, não há a
obliteração do risco. O risco para o parceiro receptor no coito anal sem pro-
teção é várias vezes maior que para aquela mulher que realiza o coito vaginal
sem proteção com um homem infectado. A razão desse maior risco na pene-
tração anal é que a mucosa do reto é fina e pode sofrer rupturas facilmente
e, assim, até as pequenas lesões na mucosa são suficientes para permitir a
8 Lei nº. 7.649, de 25.01.1988, regulamentada pelo Decreto 95.721 de 11.2.1988, que definiu em seu artigo 3ª, em relação
à doação de sangue que: “As provas de laboratório incluirão, obrigatoriamente aquelas destinadas a detectar as seguintes
infecções: Hepatite B, Sífilis, Doença de Chagas, Malária e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA)”. A partir do
cumprimento dessa lei, a curva de novos casos de SIDA relacionados com a transfusão de sangue caiu vertiginosamente.
9 Idem.
10 Portaria nº. 721, de 09.08.1989, que determinou que estavam, a partir daquela data, excluídos os parceiros sexuais de
indivíduos expostos a fatores de risco para SIDA.
11 Portaria nº. 1376, de 19.11.1993, que trouxe, pela primeira vez, a normatização da exclusão definitiva dos indivíduos
com sorologia positiva para anti - HIV e/ou histórico de pertencer, ou ter pertencido, a grupos de risco para SIDA e/ou
que seja ou tenha parceiro sexual de indivíduos que se incluam naquele grupo.