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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017

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Inevitavelmente, qualquer questão prática irá chegar a um ponto

de pura divergência, sobre a qual, ainda assim, precisamos decidir. Nes-

te ponto, estamos fora do alcance daquilo que pode ser racionalizado,

embora tenhamos chegado a este ponto por determinadas razões.

122

No

ponto de pura divergência, não é a razão, e sim o sentimento, enquanto

estrutura peculiar da espécie humana, que será chamada a decidir sobre

uma questão prática.

123

As palavras de Neil MacCormick bem ilustram o raciocínio: “minha

crença de que devo me esforçar para ser racional não é uma crença que

eu possa justificar pelo raciocínio [leia-se: pela razão]. Naturalmente, pode

ser explicado por que alguém com antecedentes sociais e familiares que eu

tenho, criado numa família de profissionais liberais do século XX, é pro-

penso a nutrir esse tipo de pensamento. É claro que também pode ser feita

a conjectura de que todos os seres humanos têm uma natureza biológica e

que uma parte essencial dessa natureza biológica é a propensão a favorecer

a racionalidade. No entanto, essas são explicações, não justificações”.

124

E

continua adiante: “se questionado quanto ao motivo pelo qual creio que

deveria me esforçar para ser racional, ou de fato quanto ao motivo pelo qual

todo ser humano deveria se esforçar para ser racional (...), eu na realidade só

poderia repetir o comentário de Sócrates de que, para mim, uma vida não

examinada não é digna de ser vivida.”

125

Desse modo, embora a argumentação seja um instrumento muito

útil para clarear o processo de tomada de decisão, ela não é suficiente para a

descoberta de uma suposta “verdade” das questões práticas, pois a “sutileza

da natureza é muitas vezes maior do que a sutilezas dos argumentos”.

126

9. Por uma Teoria da Argumentação Jurídica Compa-

tível com uma Teoria do Direito

Como parece intuitivo, ao se falar de argumentação, está-se afirman-

do uma espécie de alternativa (ou renúncia) à força pura e simples. Se há

uma argumentação, não é só porque se está diante de algo que é opinável e

122 MacCORMICK, Neil.

Argumentação Jurídica e Teoria do Direito

. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 331.

123 HUME, David

. Investigações sobre o Entendimento Humano e sobre os Princípios da Moral

. São Paulo:

Unesp, 2004, p. 226.

124 MacCORMICK, Neil.

Argumentação Jurídica e Teoria do Direito

. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 349. Sobre

a diferença entre explicação e justificação, valiosas são as lições de Manuel Atienza.

In:

As Razões do Direito

. 3ª ed., São

Paulo: Landy, 2003, p. 20

125 MacCORMICK, Neil.

Argumentação Jurídica e Teoria do Direito

. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 349 e 350.

126 SAGAN, Carl.

O Mundo Assombrado pelos Demônios

. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 208.