

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017
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A atividade de interpretação, entendida como aplicação e, por con-
sequência, como criação do Direito, é uma atividade de atribuição de sen-
tido a uma norma jurídica, consistindo, pois, numa disputa de significado
realizado por vários atores sociais especializados.
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Após identificar as
possibilidades de aplicação que a norma jurídica oferece, a autoridade
competente deverá atribuir o sentido que entende ser o correto. Nesse sen-
tido – e apenas nesse sentido –, é possível extrair o único sentido correto
de uma norma jurídica.
Note-se, de início, que a autoridade competente não está juridicamen-
te proibida de escolher qualquer das possibilidades indicadas pelo ordena-
mento jurídico. A autoridade pode, em princípio,
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simplesmente impor a
decisão que entende correta, sem sequer ouvir os sentidos reclamados pelos
demais interessados: a decisão estará
fundamentada
, mas não
justificada
.
De outro lado, a autoridade competente pode, antes de impor a
sua decisão, ouvir as
razões
apresentadas por todos ou alguns dos atores
sociais interessados. Estabelece-se, neste caso, um processo argumentativo,
anterior à decisão, que serve, nas sociedades em que o ideário democrático
é bem-estabelecido pela prática, para legitimar a decisão jurídica: além de
fundamentada
, a decisão estará
justificada
.
Assim sendo, uma vez que o processo argumentativo tem por finali-
dade justificar a decisão, deve ser fornecida uma definição do que se entende
por
justificação
. Quando uma decisão jurídica estará devidamente justifica-
da? Desde logo, alerta-se que não se pode aceitar aqui a tese de que a justifi-
cação consista em demonstrar a ancoragem racional da decisão no contexto
da ordem jurídica em vigor.
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Em primeiro lugar, se uma decisão jurídica foi proferida dentro dos
limites normativos, não se pode falar, propriamente, em justificação, ma-
téria atinente à prática. No plano de análise estritamente teórica, é melhor
invocar uma categoria produzida especificamente pela teoria do Direito:
a fundamentação. Por isso, a ancoragem racional nada mais é que a iden-
138 SGARBI, Adrian.
Teoria do Direito (Primeiras Lições)
. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, no prelo, p. 584.
139 Obviamente, nos sistemas em que a prática do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal está razoa-
velmente assentada, é difícil que isso venha a ocorrer. Não obstante, mesmo nos sistemas em que normas desta natureza
integrem a estrutura do Direito Positivo, a abertura ao procedimento argumentativo não obriga que a autoridade com-
petente os observe. Esta necessidade decorre de uma construção social acumulada, e não de uma simples previsão num
documento normativo.
140 É o que sugere, por exemplo, Robert Alexy.
In:
Teoria da Argumentação Jurídica
. São Paulo: Landy, 2001, p. 269.