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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017

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Por fim, a indeterminação não intencional pode decorrer do fato de

02 (duas) normas jurídicas, que pretendem incidir simultaneamente – o que

ocorre, por exemplo, quando ambas são produto do mesmo ato jurídico –,

se contradizem total ou parcialmente.

81

Logo de início, esclarece Kelsen que o princípio da não contradição

somente pode ser aplicado aos enunciados que derivem dos atos de pensa-

mento. Uma norma jurídica, porém, é o sentido de atos de vontade dirigi-

dos à conduta de outrem e, como tal, não é verdadeira nem falsa, mas sim

válida ou inválida.

82

O enunciado sobre a validade de uma

norma

somente

pode ser considerado verdadeiro na mesma medida em que é verdadeiro o

enunciado sobre a existência do

ato de vontade

(cujo sentido constitui a

norma). Se ambas as normas “contraditórias” são decorrência do mesmo ato

de vontade, nenhuma delas suprime a “verdade” da outra.

83

A não ser que

uma das normas seja inválida, a situação criada por um conflito de normas

válidas consiste em que uma delas será cumprida e a outra será violada.

84

Esses conflitos podem ser de 03 (três) ordens: i)

total-parcial

; ii)

total-

-total

; e iii)

parcial-parcial

.

85

No primeiro caso (antinomia

total-parcial

), uma

das normas tem o mesmo âmbito de incidência da outra, porém mais restri-

to. Suponha-se a seguinte situação: de um lado, uma norma jurídica

proí-

be que os estrangeiros pratiquem uma conduta

em território nacional; de

outro, uma norma jurídica

autoriza que os estrangeiros com mais de dois

anos de domicílio no território nacional pratiquem uma conduta

C

. Neste

caso, o princípio (leia-se: postulado) da especialidade resolve o problema sem

maiores dificuldades, sendo possível estabelecer logicamente uma solução

para o conflito entre as proposições normativas em conflito.

Na segunda hipótese (antinomia

total-total

), as normas incompatí-

veis podem ter idêntico âmbito de incidência, caso em que uma norma

não poderá ser aplicada sem entrar em conflito direto com a outra (anti-

nomia total-total). Um exemplo ajuda a entender o problema: imagine-se

que, de um determinado documento normativo, 02 (duas) proposições

jurídicas contraditórias entre si possam ser extraídas: i) uma delas, diz que

quem praticar a conduta

será punido (sanção negativa); ii) a outra, por

sua vez, diz que quem praticar a conduta

será premiado (sanção posi-

81 KELSEN, Hans.

Teoria Pura do Direito

. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 390.

82 KELSEN, Hans.

Teoria Geral das Normas

. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1986, p. 263.

83 Idem, p. 281.

84 Idem, p. 267.

85 ROSS, Alf.

Direito e Justiça

. Bauru: Edipro, 2003. p. 158.