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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017

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Por outro lado, estabelecido um conflito normativo – ou seja, verifi-

cada a existência de Direitos

prima facie

–, todos os participantes passarão a

disputar o sentido que deverá prevalecer como Direito efetivo. Somente após

levar em conta todos os aspectos normativos e concretos, a autoridade com-

petente poderá proceder a uma escolha real entre os Direitos

prima facie

que

competem entre si,

106

através de uma decisão. Em sede teórica, um conflito

entre princípios apenas pode significar uma discricionariedade atribuída

pela norma à autoridade competente, que poderá decidir pela aplicação de

um ou de outro princípio, inclusive em que medida.

Parte III – Por uma Prática do Direito (ou Dinâmica

Jurídica)

7. Depois da Teoria: a Necessária Construção de uma

Prática Jurídica

Como foi demonstrado até aqui, Kelsen jamais se preocupou em

estruturar uma prática jurídica em seu projeto teórico. Sua preocupação

sempre foi elaborar uma teoria livre “de elementos estranhos ao método

específico de uma ciência cujo único propósito é a cognição do direito, e

não a sua formação”.

107

Uma vez que a aplicação do Direito leva em conta,

necessariamente, questões morais, a Teoria Pura do Direito se viu impedida

de avançar sobre a dinâmica jurídica.

Não se trata, por óbvio, de uma imperfeição ou deficiência de seu

projeto teórico, mas antes, de uma insuficiência intrínseca, sempre assu-

mida de forma expressa. Fiel ao ideal de objetividade, que entendia crucial

em qualquer ciência, Kelsen restringiu-se a apontar os limites da atividade

teórica: a impossibilidade de atingir o verdadeiro sentido da norma jurídi-

ca através de um processo cognitivo.

108

É impossível, neste ponto, não ser contagiado por certa dose de frustração: se,

de um lado, o normativismo possibilitou a denúncia (e fixação) dos limites da práti-

ca jurídica, impediu, de outro, a fundação de uma teoria dogmática da aplicação do

Direito. É dizer: emnome de uma teoria sobre a norma e o ordenamento jurídico,

109

a Teoria Pura do Direito abandonou a decisão jurídica a sua própria sorte.

106 MacCORMICK, Neil.

Argumentação Jurídica e Teoria do Direito

. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 336.

107 KELSEN. Hans.

Teoria Geral do Direito e do Estado

, 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. XXVIII.

108 GAINO FILHO, Itamar.

Positivismo e Retórica – Uma Visão de Complementariedade entre o Positivismo

Jurídico de Hans Kelsen e a Nova Retórica de Chaïm Perelman

. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, p. 70.

109 Nas palavras do próprio Kelsen, “são tema de uma teoria geral do Direito as normas jurídicas, os seus elementos, a

sua inter-relação, a ordem jurídica como um todo, a relação entre as diferentes ordens jurídicas e, finalmente, a unidade

do Direito na pluralidade das ordens jurídicas positivas”.

In:

Teoria Geral do Direito e do Estado

, 3ª ed., São Paulo:

Martins Fontes, 1998, p. XXVIII.