

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017
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De fato, uma norma jamais conseguirá determinar todos os aspec-
tos do ato através do qual é aplicada. Sempre restará uma margem, ora
maior, ora menor, de livre apreciação pela autoridade, de forma que a
norma jurídica apresenta-se apenas como uma moldura a ser preenchida.
Mesmo uma norma o mais pormenorizada possível acaba por deixar
àquele que lhe dá aplicação uma pluralidade de escolhas a fazer.
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Esta
indeterminação da norma, a ser preenchida pela norma autoridade, pode
ser: i) intencional; ou ii) não intencional.
5.1. Indeterminação Intencional
A indeterminação intencional pode ocorrer de 03 (três) modos dis-
tintos: i) através da utilização de conceitos indeterminados; ii) através da
simples previsão do pressuposto fático que autoriza a ação da autoridade
inferior; ou iii) através da autorização, diante de determinado pressuposto
fático, para escolha entre condutas específicas.
Em primeiro lugar, a norma jurídica pode proceder, voluntariamen-
te, a uma descrição insuficiente dos pressupostos fáticos de sua incidência.
Isto ocorre quando a norma utiliza-se de expressões dotadas de alto grau de
indeterminação, tais como “urgência”, “relevante”, “grave” etc. Nestes casos,
a autoridade inferior terá um alto grau de análise sobre a ocorrência – ou
não – dos pressupostos que autorizam a sua conduta. Nem se fale, aqui, que
esta indeterminação somente ocorreria em abstrato e que, diante do caso
concreto, será sempre possível verificar se os pressupostos de fato estão ou
não presentes. Algumas vezes isto ocorrerá. Outras não. Com efeito, como
bem sustentado por Celso Antônio Bandeira de Mello, “se em determinada
situação real [a autoridade] reputar, em entendimento razoável (isto é, com-
portado pela situação, ainda que outra opinião divergente fosse igualmente
sustentável), que se aplica o conceito normativo vago e agir nesta conformi-
dade, não se poderá dizer que violou a [norma], que transgrediu o direito”.
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Em segundo lugar, a indeterminação pode decorrer da simples previ-
são dos pressupostos fáticos da incidência, sem que a norma jurídica tenha
estipulado a conduta da autoridade inferior. Por exemplo, uma lei pode de-
terminar que, diante de uma epidemia, a autoridade responsável deve tomar
as medidas necessárias para evitar o alastramento da doença, sem indicar,
contudo, que medidas são estas. Desta forma, verificado o pressuposto de
70 KELSEN, Hans.
Teoria Pura do Direito
. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 388.
71 MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Discricionariedade e Controle Judicial
. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000,
p. 23.