

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017
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Na verdade, o caso de conflito entre princípios pode ser resolvido com
a metodologia positivista. Como já foi visto, a indeterminação não-intencional
da norma jurídica pode decorrer do fato de 02 (duas) normas jurídicas, que pre-
tendem incidir simultaneamente – o que ocorre, por exemplo, quando ambas
são produto do mesmo ato jurídico –, se contradizem total ou parcialmente.
100
Neste estudo, já foi visto que o princípio da não contradição somente
pode ser aplicado aos enunciados que derivem dos atos de pensamento.
Como as normas jurídicas (e, portanto, os princípios) são o sentido de atos
de vontade dirigidos à conduta de outrem, não podem ser verdadeiras nem
falsas, mas sim válidas ou inválidas.
101
Logo, se ambos os princípios em
choque são decorrência do mesmo ato de vontade, nenhum deles suprime a
“verdade” da outra.
102
A situação criada por um conflito de princípios con-
siste em que um deles poderá ser “cumprido” e outro “violado”.
103
Considere-se este exemplo: a Constituição de 1988 reconhece a todas
as pessoas tanto o direito à vida (art. 5ª,
caput
), quanto o direito de ir e vir
(art. 5ª, XV), e delega ao Parlamento a competência para legislar sobre direito
penal (art. 22, I). Ao aplicar ambas as normas, potencialmente conflitantes,
a autoridade competente pode optar, através de uma análise estritamente
política: i) por restringir o direito de ir e vir daquele que atentar contra a
vida de outrem (inclusive em que medida);
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ou ii) por simplesmente não
legislar, caso não haja uma norma constitucional específica que preveja o
dever de legislar sobre a matéria.
Nem se fale aqui que esse tipo de assertiva não estaria “levando os Di-
reitos a sério”, por somente identificar o Direito após uma decisão favorável
da autoridade competente. Num sentido fraco, ambas as partes interessadas
têm Direitos pela simples circunstância da positivação de uma norma jurídi-
ca (regra ou princípio), desde que os pressupostos fáticos que estejam neles
identificados sejam verificados na prática (Direito em sentido fraco). Nesse
sentido – e apenas nesse –, é correto dizer que a decisão judicial meramente
aplica Direitos preexistentes.
105
100 KELSEN, Hans.
Teoria Pura do Direito
. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 390.
101 KELSEN, Hans.
Teoria Geral das Normas
. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1986, p. 263.
102 Idem, p. 281.
103 Idem, p. 267.
104 Não obstante, não pode fazê-lo de forma ilimitada, uma vez que o mesmo documento normativo limita, de modo
negativo, o conteúdo da norma a ser criada, através da vedação de penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos
forçados, de banimento ou de caráter cruel (art. 5ª, XLVII), e de modo positivo, através da previsão das espécies de penas
que podem ser adotadas (art. 5ª, XLVI).
105 MacCORMICK, Neil.
Argumentação Jurídica e Teoria do Direito
. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 334.