

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017
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mas superiores fornecem, apenas, o fundamento de validade das normas que
se sucedem, e não o seu conteúdo.
65
Com efeito, a produção das normas in-
feriores depende de um ato especial de criação, isto é, de uma
manifestação
de vontade específica
.
66
Deste modo, a norma inferior
cria
o Direito. Por outro lado, a cria-
ção da norma inferior – seja esta a lei ou a sentença – não se reduz a mera
aplicação de uma vontade preexistente. Na verdade, sua criação é constituí-
da, simultaneamente, por um ato cognitivo (de definição das possibilidades
abertas pela moldura normativa) e por um ato volitivo (de escolha de uma
dessas possibilidades).
67
Logo, uma norma é válida (leia-se: jurídica) por ter sido produzida
de acordo com outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por
outra; e assim por diante.
68
A validade da norma inferior está vinculada à
superior no aspecto
formal
, quer dizer, quanto ao modo de sua produção –
órgão competente e procedimento previsto – e, eventualmente, no aspecto
material
, referente aos limites do seu conteúdo – matéria a ser tratada.
Segundo Kelsen, “se por interpretação se entende a fixação por via
cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma inter-
pretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o
Direito a interpretar e, consequentemente, o conhecimento de várias possi-
bilidades que dentro desta moldura existem. Sendo assim, a interpretação
de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como a
única correta, mas possivelmente a várias soluções que – na medida em que
apenas sejam aferidas pela lei a aplicar – têm igual valor, se bem que apenas
uma delas se torne Direito no ato do órgão aplicador do Direito – no ato
do tribunal, especialmente. Dizer que uma sentença judicial é fundada na
lei, não significa, na verdade, senão que ela se contém dentro da moldura ou
quadro que a lei representa – não significa que ela é a norma individual, mas
apenas que é uma das normas individuais que podem ser produzidas dentro
da moldura da norma geral.”
69
65 KELSEN, Hans.
Teoria Pura do Direito
. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 217 e segs.; BOBBIO, Norberto.
Teoria do Ordenamento Jurídico
, Brasília DF: UnB, 1999, p. 71 e segs.
66 Este é, por exemplo, um dos erros capitais das teorias denominadas pós-positivistas: acreditar que através da razão
prática se possa encontrar uma única aplicação correta para uma norma jurídica. Embora critiquem o positivismo kelse-
niano pelo afastamento do Direito do fato social (crítica improcedente, registre-se), caem nesta própria crítica, afastando
o Direito de seu elemento político e, portanto, ideológico e arbitrário, impossível de ser apreendido pela razão.
67 BINEMBOJM, Gustavo.
A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira
, São Paulo: Renovar, 2000, p. 66.
68 Deixou-se de abordar, aqui, propositalmente a questão da norma fundamental. Além de se apresentar como tema
complexo na teoria kelseniana, foge aos estreitos limites do objeto do presente trabalho.
69 KELSEN, Hans.
Teoria Pura do Direito
. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 390.