

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017
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hipótese a mão com a qual é retirado o chapéu, se com a direita ou com a
esquerda? E o que deve ser feito após tirar o chapéu da cabeça? É lícito co-
locá-lo novamente na cabeça após entrar ou somente após sair do prédio?
Um outro exemplo: suponha-se uma norma jurídica que proíba a
entrada de veículos em parques públicos. Muitos aspectos da norma são im-
precisos. Motocicletas são veículos? E bicicletas? E patins? Qual é a punição
para eventual infrator? Nestes casos – como em inúmeros outros –, o órgão
responsável pela aplicação da norma terá uma ampla margem de apreciação,
tanto no que diz respeito aos pressupostos fáticos (bicicleta é veículo?), quan-
to no tocante às consequências jurídicas (qual será a punição?).
Nestes casos, o significado exato é objetivamente indeterminado. O
máximo que se pode dizer é que todas as palavras e/ou expressões compre-
endem uma
zona de certeza positiva
, dentro da qual ninguém duvidaria do
cabimento da aplicação da palavra que os designa e uma
zona de certeza
negativa,
em que seria certo que por ela não estaria abrigada.
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Restará sem-
pre uma fundada dúvida no intervalo entre ambas, a ser preenchida exclusi-
vamente por critérios subjetivos do aplicador da norma. Esta zona cinzenta
não pode ser preenchida por critérios objetivos, cognoscíveis a partir da nor-
ma superior, mas somente por critérios subjetivos, definidos pela vontade da
autoridade encarregada de sua aplicação.
Outrossim, a indeterminação involuntária pode ser consequência de
uma lacuna normativa. Segundo Kelsen, contudo, a lacuna não passaria de
uma ficção, consistindo, na verdade, numa autorização para que a autori-
dade inferior defina – ou não – o direito a ser aplicado, sem a observância
de parâmetros gerais prévios.
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E, aqui, teremos 02 (duas) situações diversas:
i) a norma autoriza que um órgão específico crie o Direito; ou ii) a norma
impede que a autoridade inferior crie o Direito.
No primeiro caso, o órgão aplicador terá a possibilidade de estipular,
na condição de legislador, a obrigação sustentada para o caso concreto. Não
haverá, aqui, preenchimento de qualquer lacuna propriamente dita, mas apenas
a criação de uma norma individual que não corresponde a qualquer norma geral
prévia. No segundo caso – ausência de autorização para criação do Direito –, a
autoridade responsável simplesmente “aplica” a regra negativa de que ninguém
deve ser forçado a observar a conduta à qual não está obrigado pelo Direito.
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78 MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Discricionariedade e Controle Judicial
. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 29.
79 KELSEN. Hans.
Teoria Geral do Direito e do Estado
, 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 212.
80 Idem, p. 213.