

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017
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meiro lugar, não são todos os positivistas que adotam uma postura cética no
que diz respeito ao reconhecimento de certos princípios morais específicos.
Como exemplo, temos Jeremy Bentham e John Austin, ambos sustentando
um princípio moral universalmente válido: o princípio da utilidade.
47
Em segundo lugar, como bem ressalta Noel Struchiner, o ceticismo
ético “nada nos diz sobre o Direito; apenas nega a existência ou a possibili-
dade de juízos morais universais. A única coisa que se pode inferir a partir
da informação de que alguém é cético em matéria ética é a conclusão de que
não pode ser um jusnaturalista.”
48
Deste modo, é plenamente possível – embora difícil – que uma pessoa
assuma uma posição cognitivista em matéria ética e defenda, epistemologica-
mente, o positivismo jurídico. Para além do acerto de determinadas normas
morais, há uma constatação inequívoca, seja nos regimes democráticos, seja
nos regimes ditatoriais: a existência de uma categoria normativa dotada de
atributos próprios, totalmente distintos das demais categorias normativas.
Simétrica à moral ou não, há em qualquer coletividade humana o registro de
uma categoria normativa que garante o cumprimento de certas regras através
da coerção: a norma jurídica.
Assim sendo, o que caracteriza o positivismo jurídico, em última
análise, não é uma posição cética em matéria moral. O que caracteriza, na
verdade, o positivismo jurídico é uma postura epistemológica que admite
a possibilidade de identificar e descrever o Direito sem se comprometer va-
lorativamente com o conteúdo das normas jurídicas.
49
Para identificar uma
norma como jurídica e, portanto, como existente e válida, deve-se investigar
as suas fontes, e não o seu mérito.
50
Portanto, a aceitação da tesa juspositivis-
ta não depende da opinião do estudioso sobre a existência, a objetividade e
o caráter absoluto (ou universal) dos valores morais.
51
Para John Gardner, “o uso do rótulo condiz com o sentido literal
do próprio rótulo. Em que deveria acreditar um ‘positivista jurídico’, senão
que as leis são positivadas? (...) Para ser mais exato, [o positivismo jurídico
47
In
Introducción al Análisis del Derecho
. Barcelona: Ariel Derecho, 1999, p. 31
Apud
STRUCHINER, Noel.
Al-
gumas “Proposições Fulcrais” Acerca do Direito: O Debate Jusnaturalismo vs. Positivismo
.
In:
MAIA, Antonio
Cavalcanti
et alli
. Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito, Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 405.
48 STRUCHINER, Noel.
Algumas “Proposições Fulcrais” Acerca do Direito: O Debate Jusnaturalismo vs. Po-
sitivismo
.
In:
MAIA, Antonio Cavalcanti
et alli
(Org.). Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito, Rio de Janeiro: Lumen
Iuris, 2005, p. 405.
49 Idem, p. 409.
50 GARDNER, John.
Legal Positivism: 5 ½ Myths
. The American Journal of Jurisprudence. Vol. 46, p. 200.
51 DIMOULIS, Dimitri.
Positivismo Jurídico – Introdução a uma Teoria do Direito e Defesa do Pragmatismo
Jurídico-Político
. São Paulo: Método, 2006, p. 186.