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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017

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mas o fim ideal para que se orienta;

30

e, por isso, a razão é, por si mesma,

absolutamente impotente diante dessas questões.

31

De outro lado, ainda que a razão pudesse guiar a conduta humana,

não há como equiparar a filosofia especulativa à filosofia moral.

32

É que os

conceitos obtidos pela razão teórica podem ser submetidos a um controle

empírico de verificação. Exatamente por isso, uma norma moral não pode

ser verdadeira ou falsa. É óbvio que podemos fornecer inúmeras razões para

demonstrar a superioridade de uma norma moral em detrimento de outra.

Pode-se, até mesmo, ser obtido um consenso.

33

Todavia, o resultado obtido

nunca será a verdade sobre um fato (ser), mas a validade de uma norma (de-

ver-ser), pela circunstância de esta pertencer ou não a determinado sistema.

34

Com a desqualificação da filosofia prática com meio de produção de

conhecimento legítimo, “o reino das normas e fins deixa de ser acessível [em

última instância] à razão, pois esta, reduzida à razão científica, só tem com-

petência sobre as proposições analíticas da lógica e da matemática e sobre as

30 HESSEN, Johannes.

Filosofia dos Valores

. Coimbra: Almedina, 2001, p. 135.

31 HUME, David.

Tratado da Natureza Humana

. São Paulo: Unesp, 2001, p. 497.

32 Neste ponto, convém esclarecer que o objeto de estudo da filosofia moral divide-se, basicamente, em 03 (três) ramos:

i) a

ética normativa

, que busca identificar construções filosóficas que estruturam sistemas normativos destinados a nortear a

conduta humana; ii) a

ética aplicada

, que se ocupa de questões concretas e vitais da ação humana, forçando uma adaptação

ou modificação dos sistemas éticos identificados pela ética normativa; e iii) a

metaética

, que tem por finalidade discutir se

os fundamentos da moral são racionais ou sentimentais, isto é, se estamos veiculando conhecimento verdadeiro ou se

estamos simplesmente dando vazão aos nossos sentimentos, emoções ou preferências. Note-se que o reconhecimento

de sistemas éticos (ética normativa), ou de seu desenvolvimento (ética aplicada), não depende de uma postura metaética

positiva (ou congitivista). Assim sendo, embora seja possível identificar, em qualquer sociedade, determinado sistema nor-

mativo ético (objeto da ética normativa), ou mesmo analisar seu desenvolvimento prático (ética aplicada), o fundamento

último da moral, para os não-cognitivistas (e, também, para a maioria dos positivistas), é sempre de caráter irracional

(postura metaética negativa). O ceticismo da posição positivista, como bem nota Alf Ross, “(...) não se refere à moral, mas

sim à lógica do discurso moral; não se refere à ética, mas sim à metaética.” Respectivamente: CARVALHO, Maria Cecília

Maringoni de.

Ética: uma Questão de Invenção ou de Descoberta ?

.

In:

ROUANET, Luiz Paulo

et alli

(Org.). Razão

Mínima. São Paulo: Unimarco, 2004, p. 12 e 13; ROSS, Alf.

El Concepto de Validez y Otros Ensayos

. México: Distri-

buiciones Fontamara, 2001, p. 21

Apud

STRUCHINER, Noel.

Algumas “Proposições Fulcrais” Acerca do Direito:

O Debate Jusnaturalismo vs. Positivismo

.

In:

MAIA, Antonio Cavalcanti

et alli

(Org.). Perspectivas Atuais da Filosofia

do Direito, Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 405.

33 De acordo com Kelsen, a irracionalidade moral não significa, necessariamente, que cada pessoa possua seu próprio sis-

tema individual. Na verdade, “muitos indivíduos concordam em seus julgamentos de valor. Um sistema positivo de valores

não é uma criação arbitrária de um indivíduo isolado, mas sempre o resultado da influência que os indivíduos exercem uns

sobre os outros dentro de um dado grupo, seja ele família, tribo, classe, casta ou profissão. Todo sistema de valores, em es-

pecial um sistema moral com a sua ideia central de justiça, é um fenômeno social, o produto de uma sociedade e, portanto,

diferente de acordo com a natureza da sociedade dentro da qual emerge. O fato de haver certos valores geralmente aceitos

dentro de certa sociedade não contradiz de modo algum o caráter subjetivo e relativo desses julgamentos de valor. Que

muitos indivíduos estejam em concordância quanto aos seus julgamentos de valor não é prova de que esses julgamentos

estejam corretos.” KELSEN, Hans.

Teoria Geral do Direito e do Estado

, 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 12.

34 Isto não significa, porém, que a filosofia prática seja inteiramente irracional. O que não se pode negar é a permanência

efetiva de um resíduo de justificação de determinada conduta para além da razão (finalidade), ou, ainda, a impropriedade

do método empírico para demonstrar a verdade de suas proposições.