

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017
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sempre é influenciado por questões morais no momento da aplicação do
Direito é fácil. Construir uma teoria descritiva que indique os limites dessa
influência, nem tanto.
Em segundo lugar, a teoria kelseniana é, em larga medida, compatível
com a “especificidade da aplicação dos princípios”. Em larga medida, por-
que, salvo no que diz respeito à leitura moral do Direito (incompatível, de
fato, com seus fundamentos epistemológicos), o princípio da imputação e
a ideia de moldura, ambos presentes na Teoria Pura do Direito, permitem o
manejo dos princípios na aplicação do Direito. Além de não pressupor uma
superposição conceitual entre Direito e moral, a incorporação dos princí-
pios nos ordenamentos jurídicos é viável em sede positivista, sendo desne-
cessária a criação de uma “nova” teoria para tanto.
Se, de um lado, o projeto neoconstitucionalista representa, em sede
de teoria do Direito, um grande retrocesso (ou, sendo generoso, um grande
fracasso), não se pode negar que o positivismo jurídico é (conscientemente)
incapaz de oferecer uma dogmática sobre a prática jurídica. Se uma prática
satisfatória do Direito exige – e é exigida – por uma teoria satisfatória do
Direito
13
, parece que esta lacuna ao conhecimento teórico pode ser legitima-
mente preenchida pela teoria da argumentação jurídica.
Todas essas ideias serão, a partir de agora, desenvolvidas em partes
distintas, sendo, no entanto, necessária uma última consideração importan-
te: as páginas seguintes não pretendem assumir qualquer caráter conclusivo.
Elas apresentam apenas os primeiros esboços de um projeto a ser desenvol-
vido em maior amplitude.
Parte I – Fundamentos Epistemológicos
1. Críticas Neoconstitucionalistas
Seja na sua vertente moralista (Dworkin), seja na sua vertente dis-
cursiva (Alexy e Habermas), o movimento neoconstitucionalista
14
parte
(correção) jurídico-positiva desta decisão é fundada na própria lei. Configura o processo desta interpretação como se se
tratasse tão-somente de um ato intelectual de clarificação e de compreensão, como se o órgão aplicador do Direito apenas
tivesse que pôr em ação o seu entendimento (razão), mas não a sua vontade, e como se, através de uma pura atividade
de intelecção, pudesse realizar-se, entre as possibilidades que se apresentam, uma escolha que correspondesse ao Direito
positivo, uma escolha correta (justa) no sentido do Direito positivo.” KELSEN, Hans.
Teoria Pura do Direito
. 2ª ed.,
São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 391.
13 MacCORMICK, Neil.
Argumentação Jurídica e Teoria do Direito
. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 336.
14 Convém, aqui, ressaltar que, embora contenha discursos diversos, cada um deles dotados de certas peculiaridades, a
expressão “neoconstitucionalismo” será utilizada, neste trabalho, com abstração a estas diferenças. Isto porque, em que
pesem as diferenças entre os diversos discursos, todos eles compartilham a mesma premissa: i) uma crítica implacável ao
positivismo jurídico; e ii) a necessidade de uma nova teoria, capaz de lidar com os princípios.