

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017
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Nesse sentido, se o prefixo “neo” serve para qualificar algum conceito, me-
lhor seria designar este movimento de neojusnaturalismo.
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Nos próximos itens, serão demonstrados os motivos para continuar
pensando o Direito sob a luz da Teoria Pura do Direito. Esta defesa será
guiada pela convicção de que, ao contrário do que se sustenta com ares de
unanimidade, os pilares do positivismo jurídico permanecem firmes.
2. Fundamentos Epistemológicos da Teoria Pura do
Direito
Como todo discurso teórico, a Teoria Pura do Direito edifica-se sobre
alguns fundamentos epistemológicos. De início, faz-se necessário estabele-
cer alguns conceitos essenciais da teoria do conhecimento, sem os quais os
passos posteriores não serão bem compreendidos. Após, deve ser analisado
o impacto do ceticismo de David Hume na teoria do conhecimento, nota-
damente nas questões normativas, com a distinção entre o mundo natural
(
Sein
) e o mundo cultural (
Sollen
). Por fim, fixado o caráter arbitrário das
normas de dever-ser (morais ou jurídicas), Kelsen busca um princípio de
regência, diverso daquele que move as ciências causais, que denomina de
princípio da imputação.
2.1. Incursões Preliminares na Teoria do Conhecimento
A teoria do conhecimento é a parte da filosofia que indaga acerca da
possibilidade e dos limites da cognição humana. De fato, durante todos os
momentos de sua existência, os seres humanos são levados a relacionarem-se
com o mundo exterior. Seja pela queda de uma gota de chuva, seja por um
mero aperto de mãos, formamos incessantemente
juízos
(ou conhecer) sobre
o mundo exterior.
Mas o que significa conhecer? Em breve síntese, pode ser dito que
conhecer significa transferir as categorias
reais
do mundo externo para
as categorias
abstratas
do mundo interno (consciência humana). Por sua
vez, essa transferência (juízo) pode ocorrer de 2 (dois) modos distintos: i)
em primeiro lugar, teremos um
juízo de fato
sempre que o conhecimento
dirigir-se aos fatos percebidos pelos sentidos, formando estes juízos o
objeto de estudo da
metafísica
(ou
ontologia
)
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; ou ii) por outro lado, te-
20 Aliás, isto é textualmente reconhecido por um dos seus grandes expoentes, Alfonso García Figueiroa.
In:
La Teoria
del Derecho em Tiempos de Constitucionalismo
.
In
CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo(s). 2ª ed.,
Madrid: Editorial Trotta, 2005, p. 179.
21 O termo “Metafísica” foi cunhado por Andrônico de Rodes (por volta de 50 a.c.) para designar os tratados de Aristó-