

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 309 - 347, Maio/Agosto 2017
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a ser apresentado, na melhor das hipóteses, como uma visão teoricamente
ultrapassada. Diz-se, por exemplo,
3
que o positivismo “deixou de ser consi-
derado uma forma adequada de compreender o direito”
4
ou que constitui
um “retrocesso”.
5
Noutras vezes, os ataques contra o positivismo apelam
para a emoção do ouvinte, sendo aquele apresentado como uma “teoria frí-
gida”, que ignora sentimentos inerentes à “natureza humana”,
6
sustentando-
-se, numa clara alusão ao nazismo, que “a troca do ideal racionalista de jus-
tiça pela ambição positivista de certeza jurídica custou caro à humanidade”.
7
No centro dessas críticas está um modelo específico de positivismo
jurídico: a Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen.
8
Na maioria das vezes, es-
sas críticas são realizadas com uma distorção substancial de seus postulados
fundamentais. É comum ouvir, por exemplo, que, “por lastrear a aplicação
do Direito à idéia de subsunção, a grade teórica proposta pelo positivismo
jurídico para dar conta da interpretação legal encontra dificuldades para
aprender [a] nova realidade do direito constitucional contemporâneo (...).”
9
Por não mais caber no positivismo jurídico,
10
o Direito passa, a partir do
século XX, a demandar a construção de uma teoria capaz de “dar conta da
especificidade da aplicação dos princípios”.
11
As coisas, no entanto, não são bem assim. Em primeiro lugar, a Teoria
Pura do Direito jamais defendeu a ideia de subsunção. Mais do que negar
esse postulado interpretativo, o positivismo kelseniano apresenta-se como a
primeira teoria a identificar, com sério rigor epistemológico, o papel desem-
penhado pelo “intérprete” na aplicação do Direito.
12
Falar que o intérprete
3 Todos os exemplos que serão utilizados no presente parágrafo encontram-se catalogados por Dimitri Dimoulis.
In
:
Positivismo Jurídico – Introdução a uma Teoria do Direito e Defesa do Pragmatismo Jurídico-Político
. São
Paulo: Método, 2006, p. 45.
4 BARCELLOS, Ana Paula.
Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional
. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 8.
5 STRECK, Lenio Luiz.
Verdade e Consenso – Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas
. Rio de Janeiro:
Lumen Iuris, 2005, p. 6.
6 VENOSA, Sílvio de Salvo.
Introdução ao Estudo do Direito
. São Paulo: Atlas, 2004, p. 78.
7 BARROSO, Luis Roberto.
Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (pós-
-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo)
.
In:
BARROSO, Luis Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitu-
cional (Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas). Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 25.
8 Embora as importantes contribuições de outros decanos do positivismo jurídico – como Hart e Ross – não possam ser
negadas, o presente trabalho irá adotar como paradigma a Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen.
9 MAIA, Antonio Cavalcanti.
A Expansão dos Direitos Fundamentais e o Neoconstitucionalismo
. Mimeografado. Có-
pia gentilmente cedida pelo professor nas aulas de epistemologia jurídica no mestrado em direito constitucional na PUC/RJ.
10 BARROSO, Luis Roberto.
Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro
(pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo)
.
In:
BARROSO, Luis Roberto (Org.). A Nova Interpretação
Constitucional (Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas). Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 28.
11 MAIA, Antonio Cavalcanti.
A Expansão dos Direitos Fundamentais e o Neoconstitucionalismo
. Mimeografado. Có-
pia gentilmente cedida pelo professor nas aulas de epistemologia jurídica no mestrado em direito constitucional na PUC/RJ.
12 Sobre o tema, eis as palavras do próprio Kelsen: “a teoria usual da interpretação quer fazer crer que a lei, aplicada
ao caso concreto, poderia fornecer, em todas as hipóteses, apenas uma única solução correta (ajustada), e que a justeza