

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 263 - 308, Maio/Agosto 2017
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mente há muito mais prisioneiros de um lado do que o outro, ou pode ocorrer
a situação de uma das partes no conflito se desinteressar por seus nacionais
detidos pelo inimigo. Aí o Comitê Internacional deve atuar em substituição
à Sociedade Nacional envolvida, que de outra forma estaria de mãos atadas.
Vale lembrar, de todo jeito, que as Convenções de Genebra não com-
portam o princípio jurídico da exceção do contrato não cumprido. Se uma
parte não cumpre as suas obrigações relativas ao direito humanitário, não
está a outra parte autorizada a descumpri-las de seu lado. O direito huma-
nitário não admite represálias, pois se rege por outras regras, colocando a
dignidade da pessoa humana num patamar inegociável.
Outro aspecto importante do princípio da universalidade se verifica
na hipótese de descumprimento de um princípio da Cruz Vermelha por
parte de uma Sociedade Nacional. Lembre-se que o uso do emblema da Cruz
Vermelha não corresponde a uma franquia de natureza comercial, de forma
a ensejar represálias quando infringidas suas regras. E, de qualquer forma,
não seria preferível a existência de uma Cruz Vermelha imperfeita do que
não existir nenhuma
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? Diante desse dilema, cabe aplicar a regra de ouro da
Cruz Vermelha: indagar o que é melhor para as vítimas. Não cabe sacrificar
tais princípios por razões de forma ou de prestígio.
7. PRINCÍPIOS ORGÂNICOS
7.1. Introdução
Fazemos referência à distinção entre os princípios fundamentais e os
orgânicos da Cruz Vermelha. Os primeiros dizem respeito às razões profun-
das de ser da organização. Já os princípios orgânicos visam à estrutura e fun-
cionamento da mesma. Contudo, apesar dessa diferença de natureza entre as
duas categorias de princípios, em alguns casos não cabe fazer tal distinção.
A própria declaração de princípios feita por Gustave Moynier, em 1863, na
1º Conferência, que fundava a Cruz Vermelha, não fez distinção tão precisa
entre uns e outros, mencionando apenas a “centralização, a previdência, a
mutualidade e a solidariedade”. Da mesma forma, a XX Conferência Inter-
nacional da Cruz Vermelha, de 1965, inclui as duas categorias. A distinção
mais profunda vem na referida obra de Jean S. Pictet, de 1955, em que reco-
nhece que os princípios se entrelaçam frequentemente.
30 Vide nota 16.