

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 263 - 308, Maio/Agosto 2017
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Cruz Vermelha evita qualquer atitude partidária, a fim de inspirar confiança
a todos, lembrando que os maiores ódios nascem justamente das divergên-
cias de opinião. Não deve servir de arena de oposição, mas sim colaborar
com a potência beligerante no plano humanitário. Note-se que, durante um
conflito, as pessoas são chamadas a se posicionar e a se engajar, sendo consi-
derada covardia a abstenção. Mas a Cruz Vermelha não deve tomar partido,
pois sua posição é tão somente a favor da paz e do auxílio às vítimas.
A neutralidade se manifesta também no plano confessional. Apesar
de a Cruz Vermelha ostentar uma cruz (ou um crescente!) sua natureza é to-
talmente laica, sem qualquer conotação religiosa. A ideia é agrupar sob sua
bandeira toda a boa vontade do mundo, não importando as crenças pessoais
nem os motivos que levaram os voluntários a aderir ao movimento. Nas
palavras de M. Max Huber
“par sa neutralité religieuse, la Croix Rouge a
laissé à ceux qui travaillent sous son emblème le soin de découvrir dans leur
propre conscience, chacun selon sa foi et sa façon de découvrir le monde, les
motifs fondamentaux de leur collaboration”
27
.
Dessa forma, os voluntários,
na sua vida privada, podem ter a opinião que quiserem, tanto no plano reli-
gioso, quanto no político, filosófico ou ideológico.
A neutralidade implica que à Cruz Vermelha não cabe se pronunciar
sobre a legitimidade dos Estados nem sobre sua política, sob pena de pre-
judicar a sua função de assistência às vítimas dos conflitos. Evita-se assim
qualquer tomada de posição, independentemente da opinião pessoal que
seus colaboradores possam ter a respeito. Não se vislumbra aí um fim em
si, mas tão somente uma condição prática para sua atividade de socorro aos
necessitados. O Comitê Internacional, notadamente, deve agir abertamente
com toda a lealdade perante os Estados, pois disso depende a confiança na
sua obra. Para a Cruz Vermelha, os fins não justificam os meios.
Lembre-se que frequentemente a Cruz Vermelha atua numa função qua-
se judicial, pois é compelida a fazer inspeções “
in loco
”, a fim de verificar pos-
síveis violações ao direito humanitário. Nesse sentido, emite um juízo de valor
sobre a conduta da potência detentora. Mas isso não significa que deva se
tornar a campeadora da justiça, mas sim atender ao seu fim, que é a caridade.
Sua neutralidade serve de instrumento para a eficácia da sua obra assistencial.
Note-se que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha é composto
por membros de nacionalidade suíça. Várias vezes se pretendeu integrar o
dito órgão com membros de outras nacionalidades, até mesmo de países
27 Huber, Max,
Le bon Samaritain
, p. 41.