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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 263 - 308, Maio/Agosto 2017

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No direito internacional, a neutralidade vem tratada nas Convenções

de Haia, que abordam mais o seu aspecto militar, significando uma ampla

abstenção. Indaga-se, porém, se abrangeria também o domínio econômi-

co; se um Estado neutro pode manter relações comerciais com duas partes

beligerantes, haja vista que influiria no esforço de guerra dos envolvidos.

Indaga-se também se tal relação comercial deveria se manter em patamares

equivalentes em relação às partes adversas.

A neutralidade pressupõe dois elementos: uma atitude de abstenção e

a existência de duas outras partes que se opõem. Distingue-se da imparciali-

dade uma vez que esta requer que alguém aja de acordo com regras preestabe-

lecidas e sem prevenção, ao passo que a neutralidade implica uma abstenção.

Da parte da Cruz Vermelha, entretanto, não há abstenção perante aqueles

que sofrem, apesar de sua neutralidade perante os beligerantes.

Na doutrina da Cruz Vermelha, a neutralidade adquire diversos signi-

ficados, pois se trata de uma consequência da imunidade que lhe atribuíram

logo na primeira Convenção de Genebra, de 1864. De fato, o dito tratado

conferiu neutralidade às ambulâncias e aos hospitais militares, assim como

ao pessoal sanitário e aos combatentes feridos. Frise-se que a neutralidade,

em contrapartida, impõe a abstenção de favorecimento a qualquer operação

de natureza militar, como a utilização de um hospital como depósito de

munição ou como posto de observação etc.

A neutralidade, no entanto, não impede o pessoal sanitário de andar

armado, para, por ex., manter a ordem nas formações sob seus cuidados

ou para defender-se contra ataques ilícitos. Mas tal exceção à neutralidade

não chega ao ponto de autorizar a defesa de instalações com armas, como

se casamatas fossem; nem de fazer prisioneiros em episódios do gênero.

Lembre-se que a própria recuperação de combatentes feridos pela Cruz Ver-

melha, sua função precípua, já foi outrora criticada por influir no esforço

de guerra da parte em questão.

A neutralidade da Cruz Vermelha a permite fazer entregas de medica-

mentos a potências em estado de guerra, atravessando cercas de arame farpado

típicas desse cenário, em ambos os lados do conflito. O fornecimento de ví-

veres e roupas, entretanto, é limitado às crianças e grávidas, nos termos da IV

Convenção de Genebra. Note-se que o bloqueio econômico ainda é uma arma

permitida no direito internacional, apesar de afetar também a população civil.

A Cruz Vermelha deve manter sua neutralidade com relação às dou-

trinas políticas, filosóficas, morais e religiosas. Para levar a cabo sua obra, a