

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 263 - 308, Maio/Agosto 2017
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comprometer sua independência, pois, como se diz, “quem paga manda”.
Mas a notória independência da Cruz Vermelha é justamente a razão de
receber tais doações. Assim, se ceder e obedecer a quem eventualmente lhe
concede uma doação, a própria razão de as pessoas doarem à Cruz Vermelha
cessará e a mesma deixará de receber qualquer coisa. Essa fragilidade finan-
ceira acabou se tornando assim a sua própria força, dado o respeito que
adquiriu como instituição
29
.
6.8.
Universalidade
A assistência da Cruz Vermelha deve ser estendida a todos os homens
de todos os países. A universalidade contém dois aspectos no caso da Cruz
Vermelha: estender sua ajuda a todos e a todo lado. O primeiro aspecto
decorre dos próprios princípios da igualdade e da humanidade, que vedam
distinções entre os assistidos. Celebra assim a igualdade da espécie humana,
sobretudo no sofrimento.
Mas a Cruz Vermelha deve também estender sua obra a todas as partes
do globo. Para tanto, evitou se estruturar de forma centralizada, a fim de
poder se moldar aos vários aspectos regionais do mundo. Com efeito, a assis-
tência local fica a cargo das Sociedades Nacionais, devendo o trabalho destas
abranger a totalidade do respectivo território. Aliás, constitui uma das con-
dições de reconhecimento das Sociedades Nacionais a capacidade de abran-
ger a totalidade do correspondente território. Fora essa exigência, as mesmas
são independentes e livres para se organizarem como lhes aprouver, desde
que respeitem os princípios da organização. Já o Comitê Internacional tem
abrangência global, sobretudo na coordenação das Sociedades Nacionais.
Sua autoridade sobre as Sociedades Nacionais é mais moral, mas o princípio
da universalidade implica sempre certa identidade entre os seus membros.
A atuação da Cruz Vermelha não se restringe a abranger todos os
Estados, mas também as partes de uma guerra civil. Para a Cruz Vermelha
não interessa o grau de legitimidade das partes em luta, uma vez que sua
prioridade é assistir aos feridos.
Na sua atuação, a Cruz Vermelha invoca o princípio de direito inter-
nacional da reciprocidade entre Estados, sendo um valioso instrumento para
atingir seus objetivos. Via de regra, haveria um interesse recíproco entre Esta-
dos beligerantes no tratamento humanitário dos prisioneiros. Mas eventual-
29 A Cruz Vermelha, infelizmente, não está imune a desvios, como aquele noticiado na imprensa brasileira em 25/7/2014,
em que um ex-vice-presidente da CVB desviou US$ 1 milhão, destinado à Somália, Japão e à região serrana do Rio, para
uma ONG pertencente à sua mãe.