

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 263 - 308, Maio/Agosto 2017
288
inimigos do Estado ou da Humanidade. Felizmente tal entendimento foi
afastado
22
. A Cruz Vermelha passou a estender sua ajuda a todos, indepen-
dentemente de culpa. Cabe aos tribunais julgar a culpa; já à Cruz Vermelha
cabe dar tratamento humano a qualquer necessitado, protegendo de forma
igual qualquer soldado posto fora de combate. O mesmo princípio, por
sinal, existe também na deontologia médica.
É claro, no entanto, que, diante de determinadas situações, deve ser
feita uma escolha, pois às vezes os recursos são escassos. O princípio da
igualdade não é infringido se se dá preferência, por ex., àquele ferido que
tem uma família para cuidar, em detrimento de outro solteiro, ou de um jo-
vem com relação a um mais velho. O bom senso ditará a solução mais justa.
Esclareça-se que tampouco viola o princípio da igualdade se uma
Sociedade Nacional da Cruz Vermelha assistir prioritariamente aos neces-
sitados de seu próprio país, lembrando que cabe ao Comitê Internacional
(CICV) tal assistência no âmbito global. Ora, não se pode exigir que uma
Sociedade Nacional preste auxílio a vítimas do outro lado do planeta, por
impossibilidade operacional, já que ditas organizações são constituídas
sobre uma base nacional. Aliás, é até perdoável que, no ser humano, o
sentimento de caridade venha a brotar mais intensamente com relação a
tragédias mais próximas de que são vítimas compatriotas ou povos vizi-
nhos. A distância esfria a piedade. Quando, porém, a tragédia excede a
capacidade operacional da Sociedade Nacional envolvida, cabe então ao
CICV coordenar a assistência, valendo-se do princípio da solidariedade
entre Sociedades Nacionais.
No caso de prisioneiros de guerra, torna-se natural que uma Socie-
dade Nacional dê menos atenção aos inimigos capturados nas suas prisões
do que aos nacionais feridos. Mas haverá sempre nacionais detidos pelo
inimigo. Aqui, mais uma vez, o princípio da igualdade deve imperar, nem
que impelido pela reciprocidade, lembrando que os nacionais capturados,
em poder da potência adversária, devem estar ansiando pela assistência da
Sociedade Nacional do país detentor.
6.4. Proporcionalidade
A Cruz Vermelha entende que o homem deve ser socorrido na medida
de seu sofrimento. Daí decorre a necessidade de se fixar em certas regras de
repartição, seja quanto aos cuidados médicos dispensados ou quanto aos
22 A partir de 1977, as vítimas dos conflitos armados não internacionais, incluindo os respectivos combatentes, passaram
a ser protegidas pelo Protocolo II às Convenções de Genebra de 1949.