

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 263 - 308, Maio/Agosto 2017
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rém, do humanismo, pois este conceito engloba, mais especificamente, uma
promoção do homem e de sua personalidade e não propriamente o combate
ao sofrimento, que é o norte principal da Cruz Vermelha.
O conceito de amor ao próximo se verifica plenamente aplicável ao
princípio da humanidade. Mas a palavra “amor”, nas línguas latinas (e nas
germânicas também!), traduz um sentimento que ultrapassa a ideia que es-
tamos aqui tratando. De fato, o amor é empregado tanto para o sentimento
ligado ao erotismo, quanto para aquele que revela um desprendimento altru-
ístico. Lembre-se que o grego denomina aquele primeiro conceito de “
eros
”
e o segundo de “
agapê
”. Interessa-nos mais aqui o segundo
21
.
De fato, a Cruz Vermelha luta contra o sofrimento e a morte. A hu-
manidade concretiza assim o ideal de evitar o sofrimento das pessoas e,
se possível, a morte. Para tanto, a Cruz Vermelha organiza os esforços das
pessoas bem-intencionadas, a fim de prestar socorro às vítimas de conflitos
armados e catástrofes naturais. Sua prioridade é concentrar e racionalizar es-
ses esforços humanitários, pois sua dispersão provavelmente resultaria num
fracasso. Cuida não somente da cura dos doentes, mas também da prevenção
de doenças em tempos de paz, por meio da profilaxia e da higiene. Mas não
só: o princípio da humanidade a orienta também nas atividades de busca de
desaparecidos, reduzindo o sofrimento das correspondentes famílias, para
quem a confirmação do óbito acaba eventualmente sendo melhor do que a
expectativa angustiante.
A luta contra o sofrimento por parte da Cruz Vermelha, porém, não
chega a autorizá-la a desenvolver atividades recreativas, tais como o entrete-
nimento dos soldados feridos em hospitais. Ditas tarefas não possuem senão
uma relação muito indireta com o seu objetivo central. Aliás, a expansão
desmedida das atividades da Cruz Vermelha, para além de suas tarefas origi-
nais, poderia eventualmente até reforçar a capacidade combativa das forças
armadas, o que certamente não é sua intenção. E tampouco lhe cabe comba-
ter o sofrimento provocado pela organização precária e injusta da sociedade,
como a pobreza, a escravidão ou a criminalidade, sob pena de incorrer no
erro de uma excessiva dispersão de suas tarefas.
A Cruz Vermelha pretende que, em qualquer circunstância, as pessoas
sejam vistas de forma humana. Nesse sentido, exerce gestões junto às auto-
ridades competentes para que os prisioneiros de guerra sejam bem tratados,
sendo, aliás, a principal patrona do desenvolvimento do direito humanitá-
21 Ideia extraída da citada obra de Jean Pictet,
Les principes de la Croix Rouge
, capitulo 1, pag. 16.