

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 263 - 308, Maio/Agosto 2017
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Com efeito, a atividade da Cruz Vermelha exige certa uniformidade
de pensamento e de conduta. Da atitude improvisada de Henry Dunant em
Solferino se despreendem alguns princípios que se verificam fundamentais
para o bom funcionamento a nível planetário da instituição que ele con-
cebeu. Pode-se dizer, portanto, que se faz necessário que a Cruz Vermelha
observe princípios e tenha uma doutrina bem definida, para fins de manter
a fidelidade aos ideais humanitários e o melhor funcionamento da máquina
universal de assistência que veio a se tornar. Daí a preocupação com a defi-
nição de princípios universais para a instituição.
A Cruz Vermelha se construiu pelo mundo, primeiramente, por meio
de ações práticas. A definição de uma doutrina para embasar tais ações
foi sendo formulada gradualmente, diante de situações concretas, sempre se
lembrando do sentimento básico que inspirou Henry Dunant em Solferino,
o qual poderia ser traduzido simplesmente na prática da caridade universal.
Depois da Primeira Guerra Mundial, contudo, a necessidade de se definir
uma doutrina uniformizadora da Cruz Vermelha se tornou mais imperativa,
sobretudo diante da proliferação de Sociedades Nacionais pelo mundo. Foi
assim na Conferência Internacional da Cruz Vermelha de 1921, em que se
reconheceu o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) como sendo
o guardião e propagador dos princípios fundamentais, morais e jurídicos da
instituição e se incumbiu o mesmo de velar por sua difusão e aplicação no
mundo. Note-se que, até 1915 (após 52 anos de existência), o próprio CICV
sequer tinha vislumbrado a necessidade de se dotar de estatutos, bastando
para tanto o conteúdo da sua 1º Conferência Internacional, de 1863, e da
subsequente Convenção de Genebra de 1864.
Na verdade, a primeira expressão dos princípios fundamentais da
Cruz Vermelha data de 1920. Um dos membros do Comitê (CICV), M. Ed-
mond Boissier, afirmava na
Revue internationale de la Croix Rouge
(agosto
1920, pag. 883) que “
le príncipe reconnu et proclamé jusqu’ici par toutes les
Sociétés unies sous le drapeau de la Croix Rouge, c’est la charité universelle,
vouée au service de l’humanité souffrante, sans distinction de races, de fron-
tières. Charité et universalité, à côté de l’indépendance et de l’impartialité,
sont les caractères essentiels et distinctifs de la Croix-Rouge
”
20
. Sua intenção
não era criar nada de novo do ponto de vista moral, mas consolidar valo-
res humanitários universais de longa data. No ano seguinte, em 1921, o
CICV instituía expressamente nos seus estatutos um sumário dos princípios
20 Boissier, Edmond,
Revue Internationale de la Croix Rouge
, CICV, agosto de 1920, pag. 883.