

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 181 - 203, Maio/Agosto. 2017
195
A moldura decorre das indeterminações do ato de aplicação do Di-
reito. Ao deixar a cargo do aplicador do Direito (do escalão inferior), ou
ao não ser capaz de expressar adequadamente no texto normativo a norma
jurídica a pôr, a norma do escalão superior permite que várias significações
surjam da norma a ser interpretada. É a partir dessas várias significações, que
decorrem de uma interpretação como ato de conhecimento, que se forma
a moldura de possibilidades jurídicas de aplicação do Direito a respeito do
texto normativo interpretado.
Diante da pureza da interpretação do Direito, de acordo com Kelsen,
não há um método de interpretação (processo; ato) que garanta uma ade-
quada decisão sobre qual das possibilidades jurídicas de aplicação da norma
jurídica deve ser adotada.
45
Essa decisão, então, passa a ser uma escolha
realizada pelo aplicador do Direito de entre as possibilidades jurídicas de-
correntes da interpretação como ato de conhecimento, portanto, autorizadas
pelos ordenamentos jurídico.
Kelsen entende que a interpretação do Direito por um órgão aplica-
dor é um ato de criação do Direito, em que “o processo interpretativo dos
órgãos do Estado é tanto de aplicação quanto de criação” do Direito.
46
Aplicar já é criar Direito. Aplicar também já é um ato de vontade.
Mas é preciso explicar.
Um ato de vontade, que somente é afeto ao órgão aplicador do direi-
to, não é um ato de querer, menos ainda em sentido comum. Seu significado
decorre, primeiro, de um poder recebido, por atribuição de uma norma ju-
rídica de escalão superior, “especialmente o poder de ele próprio estabelecer
normas”;
47
ainda, o poder de, “através de qualquer ato, [exprimir] a vontade
de que um outro indivíduo se conduza de determinada maneira”.
48
Aplicar
o Direito, portanto, é um ato de criação jurídica por meio de um ato de
vontade, atribuído por uma norma de escalão superior a um órgão aplicador
do Direito, dentre as possibilidades jurídicas decorrentes da interpretação do
Direito realizada por esse órgão.
Mas é importante dizer-se que a interpretação do Direito, pura e
simples, não é, em si, criação de Direito. A interpretação, como “opera-
ção mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu
45 KELSEN, op. cit., p. 391-392.
46 SGARBI, op. cit., p. 286.
47 KELSEN, op. cit., p. 5.
48 Ibidem, loc. cit.